A primeira temporada de Stranger Things não tinha apenas um roteiro simpático como sua principal aliada, mas o fator novidade. Emular e homenagear os anos 80 foi uma ideia brilhante de Matt e Ross Duffer (os Duffer Brothers, criadores da série), deu um frescor à televisão quando todas as produções só apresentavam anti-heróis e criou um universo encantador. Foi quase impossível passar incólume pelas adoráveis crianças e por aquele ar oitentista que iam direto ao nosso imaginário social, explodindo nosso baú de memórias.
A série era interessante como um produto pontual, mas naturalmente não poderia se apoiar apenas nisso para continuar sua existência. É por isso que o segundo ano deveria tentar andar um pouco mais com uma história própria e não apenas como uma alegoria de homenagens, ao mesmo tempo em que precisaria continuar apostando na nostalgia. E é com prazer que afirmo que o segundo ano de Stranger Things supera sua estreia e apresenta uma história muito mais interessante e envolvente.
Um ano após os acontecimentos da primeira temporada, Will (Noah Schnapp) retornou ao seu lar e à companhia dos seus amigos, mas ainda está conectado ao Mundo Invertido por meio de estranhas visões. A cidadezinha de Hawkins também não está completamente salva e não demora muito para que fragmentos dessa outra dimensão façam seu caminho até a superfície.
Inteligentemente, [highlight color=”yellow”]a série traz os mesmos elementos que deram certo no primeiro ano.[/highlight] As referências mais claras ficam por conta dos filmes E.T, Poltergeist, Aliens, Os Caça-Fantasma, Gremlins, Goonies e A Hora do Pesadelo, este último responsável por cenas nada infantis e que deixam a série menos bobinha do que a primeira temporada. Ao mesmo tempo, as homenagens ficam um pouco mais sutis, o que dá tempo do roteiro se desenvolver ao invés de apenas reciclar histórias antigas e vender como novas. A trilha sonora continua arrebatadora e consegue bater firme na memória poética do público, especialmente na de quem viu muito filmes de terror da década de 1980.
As homenagens ficam um pouco mais sutis, o que dá tempo do roteiro se desenvolver ao invés de apenas reciclar histórias.
Tal como os criadores da série prometeram, [highlight color=”yellow”]a segunda leva de episódios é muito mais sombria.[/highlight] Com isso, quem se destaca é o ator Noah Schnapp. Seu Will não aparecia muito na primeira temporada, mas este ano o personagem ganha um arco narrativo muito bem construído e exige do ator cenas mais difíceis. Todo o seu pavor por ser perseguido por uma entidade demoníaca é bastante crível, assim como seu sofrimento por não conseguir explicar o que está acontecendo. Ao longo da temporada, seu personagem vai deixando Stranger Things menos divertida e bonitinha e torna a série mais melancólica e séria, o que pode conquistar um novo público e, talvez, afastar alguns antigos.
A série também traz de volta alguns arcos que não foram tão bem executados no primeiro ano, como o desaparecimento de Barb (Shannon Purser), que ganha a devida atenção de Nancy (Natalia Dyer), Steve (Joe Keery) e Jonathan (Charlie Heaton), ainda que lá pela metade da temporada o foco destes personagens mude.
Há também novos personagens que funcionam muito bem, como Max (Sadie Sink), uma garota rebelde que ganha o coração dos garotos, Billy (Dacre Montgomery), o violento irmão de Max, que não tem uma função clara no enredo, mas que promete uma história melhor no terceiro ano, e Bob (Sean Austin), o carismático namorado de Joyce (Winona Ryder) e que garante ainda mais nostalgia, já que o ator fazia parte do elenco de Goonies. Todos eles são incorporados à história organicamente e não rejeitamos os personagens em nenhum momento.
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Todas as outras crianças ganham mais espaço. Mike (Finn Wolfhard) ensaia uma revolta adolescente por causa do desaparecimento de Eleven (Millie Bobby Brown), ao mesmo tempo em que mostra uma comovente lealdade e preocupação por Will, seu melhor amigo; Dustin (Gaten Matarazzo) continua sendo o alívio cômico, mas ganha um arco importante e, de certa forma, é o responsável pelo início do caos na temporada; Lucas (Caleb McLaughlin) também tem mais tempo, ganha um romance com a nova personagem Max e ainda conhecemos sua irmã, a pequena Erica (Priah Ferguson), de longe a personagem mais legal da temporada, mesmo aparecendo pouquíssimas vezes.
[highlight color=”yellow”]Há falhas, é claro, e surpreendentemente os erros se encontram em Eleven.[/highlight] O início de seu plot é até interessante, especialmente a relação paternal com Jim (David Harbour), mas tudo demora a acontecer e sua história acaba ficando maçante, não necessariamente por ser chata ou mal construída, mas porque [highlight color=”yellow”]a trama central da temporada é muito mais dinâmica e interessante do que sua autodescoberta.[/highlight] Eleven obviamente é parte crucial da história e é por causa dela que o desfecho da temporada acaba bem, mas faltou timing e uma melhor interação com os outros personagens. Quando ela volta para o núcleo principal, a sensação é um pouco anticlimática.
A forma como concluem a história dos Democães (trocadiho genial feito por Dustin) também soa um pouco apressada ou preguiçosa, mesmo que tenham caprichado nos efeitos especiais e na tensão crescente. A impressão que dá é que os roteiristas precisaram concluir rapidamente o arco para encerrar a temporada com um ar nostálgico, o que de fato ocorre com o baile de inverno e cenas que fazem a gente sorrir e desejar viver naquele mundo.
[highlight color=”yellow”]Estes pequenos erros são apenas detalhes para uma temporada muito mais consistente e confiante.[/highlight] Consciente de que aquelas crianças estão crescendo rápido demais e que a série precisa avançar, os roteiristas começam a colocar situações mais complexas. Além de trabalhar com um potencial maior para explorar um universo rico, os criadores de Stranger Things mostram que têm uma mina de ouro nas mãos e que sabem explorá-la muito bem.
Assista ao trailer da segunda temporada de ‘Stranger Things’
https://www.youtube.com/watch?v=QQI2UDte-Qs