The Handmaid’s Tale continua boa. O problema é que o primeiro ano foi perfeito ao contar toda a história do livro. Sem material original da escritora Margaret Atwood, roteiristas suam a camisa para manter a qualidade. É verdade que o texto tem supervisão da própria Atwood, mas isso não garante nada (os roteiros de Game of Thrones que o digam, já que também eram supervisionados por George R. R. Martin). Não vamos discutir aqui a necessidade da distopia ter mais temporadas do que deveria. Já ficou claro que a questão é bem mais complexa do que apenas satisfazer os desejos da crítica. A audiência continua boa e a série deve ser prolongada um pouco mais.
Dito isso, The Handmaid’s Tale ainda é uma excelente série, melhor do que bastante coisa no ar atualmente, mas peca no ritmo. Neste ano, a produção prometeu mais ação por parte de June, que agora é a principal voz da resistência de Gilead. Isso de fato ocorre, mas a narrativa é esticada demais e alguns episódios servem para absolutamente nada ou apenas para reiterar coisas que já estão incutidas no público. É impactante e incômodo, mas nós já sabemos disso.
Os atos de June (Elizabeth Moss), vistos na segunda temporada, afetam o status quo de Gilead e interferem na vida de todos. Ao conseguir que sua filha Nichole fuja para o Canadá, June abre uma guerra fria diplomática entre o país e a República de Gilead. O recurso é inteligente para que nós comecemos a temer até mesmo pela vida das pessoas que já estão aparentemente salvas sob a proteção de um país que oferece refúgio. Agora, Gilead quer brigar não apenas para trazer um bebê de volta, mas todos que fugiram. Ao mesmo tempo, Canadá e Suíça querem chegar a um acordo, o que preocupa as milhares de pessoas refugiadas.
O início da temporada parece entregar a redenção de Serena (Yvonne Strahovski), que aparentemente começa a entender Gilead. No sofrimento de seu luto por ter entregado a filha a June, Serena volta atrás e entra na luta para trazer a criança de volta, traindo a confiança de June. Serena é uma das personagens mais complexas da série e a que gera mais sentimentos controversos no público. Quando age com bondade, sentimos medo. Quando age com maldade, sentimos ódio, mas também pena. A dinâmica entre ela e June também é muito bem montada, criando uma sororidade estranha entre as duas, ao mesmo tempo em que carrega uma força extrema todas as vezes em que elas surgem juntas em cena.
A força de The Handmaid’s Tale reside na relevância que, infelizmente, a série ainda tem.
Nos dez primeiros episódios a série prefere pisar no freio e estabelecer alguns pequenos choques de realidade para o público. Mas diferentemente do segundo ano, em que as cenas eram pesadas, agora temos mais um embate psicológico do que físico. É aí que falta equilíbrio entre uma série soberba e uma série que apenas repete informações, já que os personagens sempre voltam ao mesmo lugar, fazendo o ritmo lento da série soar mais como uma falta de criatividade dos roteiristas do que inteligência para nos mostrar o dia a dia das Aias.
Desde o começo nós entendemos que Gilead é um lugar perigosíssimo. Isso é algo crucial para que embarquemos nesta história. Entretanto, no segundo ano, as atitudes de June pareciam livres demais, já que a ela conseguia transitar entrar vários meios, falar o que viesse à cabeça ou fazer coisas inimagináveis dentro de uma país opressor.
É claro que isso serve para mostrar a força de June e para que a narrativa ande, mas falta algo para que não percebamos as armadilhas do roteiro. Nesta terceira temporada, June começa um tanto quanto “privilegiada” em meio às outras Aias, o que causa estranhamento. Quando o roteiro percebe essa “falha”, a série começa a desfilar um sofrimento atrás do outro para lembrarmos em que tipo de universo aquelas mulheres vivem. Tudo isso faz a história, novamente, rodar 360 graus e voltar para o mesmo lugar.
Mas alguns acertos são muito bem-vindos, dando um ar de frescor para a série. Assim, somos levados a Chicago, lugar que faz Gilead parecer uma pacata cidade do interior. Lá, mulheres têm suas bocas costuradas e as famílias são cheias de filhos em casa. Mesmo assim, as Aias ainda existem dentro dessas residências. Outro acerto são as relações entre governos de países próximos a Gilead. Embora dê a impressão de que isso é apenas uma barriga dentro da série, essa relação faz o universo da distopia ser mais real, já que agora sentimos que o regime opressor afeta diversos lugares e que sair de lá pode ser ainda mais complicado do que achávamos.
Mas a força de The Handmaid’s Tale reside na relevância que, infelizmente, a série ainda tem. Digo infelizmente porque as coisas vistas ali estão cada vem menos distante da realidade, e é isso que assusta. A atuação de Elizabeth Moss é soberba ao transparecer o desespero para o público, especialmente quando percebemos que a personagem se afasta cada vez mais de sua humanidade, sendo moldada pelos traumas e perdas causadas pelo regime de Gilead. Embora utilizar o recurso do close nos olhos Moss já esteja repetitivo, as cenas ainda funcionam para que nós sintamos o ódio crescente dentro da personagem, que grita, esbraveja e amaldiçoa sem emitir nenhum som.
Melhor do que seu segundo ano, The Handmaid’s Tale entrega mais uma boa temporada. Não é tão boa quanto a primeira e talvez nunca mais seja, mas enquanto nos fizer refletir sobre o quão perigoso a opressão pode ser e nos fizer torcer por aquelas personagens, a série ainda poderá durar alguns bons anos.