Os filmes da franquia Um Noite de Crime padecem de algo um tanto quanto frustrante. Não são necessariamente bons e não são péssimos, mas poderiam ser excelentes, o que dá uma sensação de desperdício de material. Afinal, o argumento é genial e assustador: em um futuro próximo, a fim de diminuir o número de crimes cometidos, os Estados Unidos aprovam uma lei que permite que todo cidadão cometa qualquer tipo de crime durante 12 horas, sem que seja punido. É o tal do expurgo. Vale quase tudo e os serviços públicos emergenciais ficam suspensos. Segundo o governo, isto é uma forma de os humanos liberarem seus instintos assassinos durante uma noite, diminuindo, assim, os crimes no restante do ano. Os ricos, claro, conseguem se proteger. Os pobres ficam à mercê da própria sorte.
The Purge, produzida pelo canal USA Network e distribuída mundialmente pela Amazon Prime, segue a mesma premissa e abre o leque para diversas situações e personagens. Há a executiva de sucesso que sofre assédio de um chefe nojento, há o soldado que volta para casa e precisa resgatar sua irmã, há a irmã desse soldado que entrou para um culto que sacrifica as pessoas durante o expurgo, e há um casal que tenta conseguir um financiamento com um ricaço que banca o projeto do expurgo, embora eles não concordem com a prática. As histórias demoram a engrenar, mas quando pegam no tranco, a diversão começa para valer.
E é esse o grande “problema” da série. Coloco entre aspas porque não é necessariamente algo que atrapalhe a experiência, mas novamente temos a sensação de desperdício. Pegando carona na distopia de The Handmaid’s Tale, The Purge também quer falar sobre a decadência da América, dos menos favorecidos, das mulheres subjugadas e da divisão de classes. Eles fazem isso? Se você olhar com atenção, sim. Por meio das situações vistas na tela, podemos perceber que as vítimas do expurgo geralmente não negras, imigrantes, latinas e pobres, enquanto os ricos se reúnem em grandes festas, nas quais ganham o direito de expurgar alguém sob os sorrisos e aplausos dos grã-finos.
‘The Purge’ tem um ritmo urgente, algo vital para uma série do tipo. Sai a reflexão e fica o thriller.
O “problema” é que o texto não ajuda. Diferentemente de The Handmaid’s Tale, não há uma grande reflexão ou análise da sociedade, muito menos um cuidado para construir um texto mais robusto. Tudo é bastante expositivo, os clichês são usados de maneira escancarada e os personagens são quase todos unilaterais (e quando tentam deixá-los mais complexos, você percebe a forçação para incluir algo sombrio nas histórias, que logo é abandonado).
Ao mesmo tempo, The Purge tem um ritmo urgente, algo vital para uma série do tipo. Sai a reflexão e fica o thriller. Dessa forma, é divertidíssimo acompanhar a luta pela sobrevivência daqueles personagens e as armadilhas que o roteiro insere sem dó. E como a história se passa em uma única noite, The Purge ganha ares que lembram muito a série 24 Horas. Como os episódios são disponibilizados uma vez por semana na plataforma da Amazon, é bastante interessante sentir ansiedade pelo próximo episódio, algo cada vez mais raro.
The Purge talvez falhe na crítica social, mas dá ao público boas doses de entretenimento. Talvez a maior ironia seja querer criticar o pior do ser humano fazendo um produto que serve exatamente para matar nossa sede de violência.