Estrelando Mônica Iozzi como protagonista e mostrando um Tony Ramos diferente de tudo aquilo que já vimos, Vade Retro mistura comédia e terror e tem como temática uma suposta luta entre o bem e o mal. Assinado pelos autores da aclamada série Os Normais, Alexandre Machado e Fernanda Young, o roteiro utiliza como artifícios uma combinação de nonsense, humor negro, sarcasmo, crítica, deboche, frases de efeito, trocadilhos infames, como os cacófatos contidos nos nomes dos personagens, e jogos de palavras para retratar a dualidade santo-profano e Deus-Diabo.
A trama gira entorno da relação entre a advogada Celeste e o lobista Abelardo Zebu. Ela é correta, religiosa, bem-intencionada, ingênua e vive uma vida monótona: sua carreira é malsucedida, seu relacionamento amoroso é sem graça e sua mãe está morando com ela. A única coisa que a torna interessante é um pequeno fato peculiar: quando criança, foi beijada pelo Papa e acabou se tornando um símbolo de fé. Porém, tudo muda quando conhece Abel Zebu, um palestrante motivacional que a contrata com a desculpa de estar se divorciando para tentar torná-la laranja em seus negócios escusos. Embora caia no jogo de sedução do canastrão, a jovem desconfia que na verdade ele seja o “capiroto” em pessoa.
Na construção da narrativa não faltam elementos sacros e religiosos, que ajudam a conduzir a história, e pequenos detalhes que dão um certo charme e um ar diferente e sofisticado ao programa. Todo episódio começa com uma recapitulação, porém, esse pequeno resumo é feito numa espécie de opereta, em um ritmo que lembra a obra Carmina Burana, musicalizada por Carl Orff. A primeira cena é sempre uma palestra de Zebu, e o que ele diz permeia o episódio inteiro.
Mas o que seria do enredo sem a direção caprichada de Mauro Mendonça Filho e da equipe formada por André Felipe Binder e Rodrigo Meirelles? No melhor estilo “terrir”, a atração é repleta de referências cinematográficas. Com uma boa dose do mundo do Zé do Caixão, é possível enxergar alguns traços de diretores como Polanski, Ed Wood, Tarantino e Kubrick. A abertura, por exemplo, é puramente inspirada em filmes clássicos de terror da década de 1970 e traz elementos do gênero apelativo exploitation, que aborda de modo mórbido e sensacionalista a temática que trata (leia aqui).
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Mas talvez a direção não surtisse o efeito pretendido não fosse o elenco afinado e em total sintonia com a proposta estética, narrativa e interpretativa. Tony Ramos surpreende com sua atuação e prova a sua capacidade de fazer diferentes papéis e atuar em gêneros diversos: o lobista é um vilão cômico, trabalho fora da curva na trajetória do ator, que é acostumado a dar vida a mocinhos. E Mônica Iozzi, que deixou o Vídeo Show por causa do seriado, encaixou-se bem no papel e é um dos fios condutores das risadas. Com intimidade na comédia, ela consegue deixar escapar pérolas divertidas em meio ao nervosismo da sua personagem.
Eles são ótimos cronistas, falam muito bem sobre rotina, manias e amoralidades do homem comum.
O restante do elenco também não está para brincadeira. Juliano Cazarré, se destaca com seu Davi, o namorado de Celeste. Cecília Homem de Mello, que dá vida a Leda, a mãe intrometida, xereta e carola, é uma personagem hilária. Luciana Paes é outro destaque cômico com sua interpretação de Kika, secretária da advogada e amante de Davi. Do lado dark temos Maria Luísa Mendonça, que está realmente diabólica na pele de Lucy Ferguson, mulher de Abel. Até o ator mirim Enrico Baruzzi dá um show, o garoto está assustador como Damien, filho de Abel e Lucy. E ainda falta conhecermos Carrie (Nathália Falcão), enteada de Abel e filha de Lucy de um casamento anterior, e Lilith (Maria Casadevall), uma dançarina íntima de Abel, personagens que ainda não entraram na série, mas que se seguirem o exemplo dos demais, podemos esperar um bom caldo.
No geral, a atração é divertida e bem produzida. O único problema de Vade Retro está no texto. Toda vez que as cenas estão no campo da trivialidade e os personagens brincam com as idiossincrasias sociais, o episódio cresce e vemos diálogos debochados e bem-humorados. Entretanto, os diálogos rápidos e espertos perdem força quando precisam se reencaixar e voltar para a construção dessa trama “conceitual”.
A julgar pelos três primeiros episódios, a produção poderia investir menos no sobrenatural e focar mais no cotidiano — o que sabemos que Alexandre e Fernanda fazem como ninguém. Eles são ótimos cronistas, falam muito bem sobre rotina, manias e amoralidades do homem comum. Porém, quando adentram no enredo fantástico, os autores precisam ser um tanto didáticos para explicar as situações absurdas e acabam soando um pouco forçados. Mas ainda dá tempo de corrigir!
A minissérie, que estreou no dia 20 de abril, é exibida toda quinta-feira na Rede Globo após a novela das nove e o capítulo da semana é disponibilizado antecipadamente para os assinantes da Globo Play.