Muitas vezes se falou sobre o poder da televisão de “hipnotizar” as massas ao trazer um tipo de entretenimento imbatível, sem comparação a qualquer outra forma de diversão. Uma expressão frequentemente usada era de que a TV seria capaz de transformar todas as noites em uma noite de sábado – ou seja, as atrações televisivas seriam tão fascinantes que conseguiriam tornar todos os nossos dias como o mais desejado dia da semana.
É essa a memória (certamente marcada pela afetividade) que me vem à mente quando lembro de um antigo programa do SBT chamado Viva a Noite. Lançado em 1982, foi a atração que começou a elevar um jovem apresentador chamado Gugu Liberato a um panteão dos grandes nomes da televisão, algo medido por salários estratosféricos, mas também pelo nível de popularidade e influência alcançado por esses comunicadores. Líder de audiência no horário durante um bom tempo, Viva a Noite, ao menos no coração de parte das crianças e adolescentes que cresceram nos anos 80, era um dos momentos mais esperados para finalizar mais uma semana. Entre trancos e barrancos, o programa durou até 1992.
Para quem não vivenciou a época, talvez seja difícil compreender o estrondoso sucesso que a atração fazia. Viva a Noite era um programa de auditório que reunia shows musicais (engana-se quem achava que os convidados eram apenas as estrelas lado B do SBT: foi o primeiro programa em que Cazuza lançou sua carreira solo, por exemplo), provas que distribuíam dinheiro à plateia, quadros fixos (como o que realizava no palco “sonhos malucos” de participantes, como o de tomar um banho com Rita Cadillac, de ser salvo pelos integrantes do grupo Dominó vestidos de Rambo ou de ver Zé do Caixão cortando suas unhas gigantescas), competições entre artistas e quadros bizarros comprados de canais americanos.
Uma fórmula simples, repetida muitas vezes na história da televisão. Mas o apelo estava, sem dúvida, no protagonismo do próprio Gugu, que apresentava o Viva a Noite usando um microfone pendurado no pescoço, como Silvio Santos. Articulado e carismático, Gugu desempenhava um papel na TV semelhante ao que o “patrão” do SBT concretiza até hoje: tirava constantemente sarro de si mesmo e conseguia parecer bem próximo da audiência. As músicas cantadas por Gugu no programa – é difícil de quem não lembre da música “Baile dos passarinhos”, que envolvia uma dança um tanto ridícula que todos os participantes do programa tinham que fazer – viraram uma febre entre as crianças.
Inimaginável hoje em dia, Viva a Noite consolidou um lugar cativo na memória sentimental dos que vivenciaram in loco as bizarrices dos anos 80.
As competições entre os artistas tinham um tom de “guerra de sexos”: os times eram sempre elas versus eles. As disputas envolviam provas que mesclavam uma ingenuidade infantil com um subtexto sexual (vale lembrar, aliás, que os anos 80 eram bem mais permissivos no que diz respeito à “moral e os bons costumes” – era comum que Gugu e outros participantes elogiassem o corpo das mulheres no palco e mesmo as acariciassem). Dentre as mais provas lembradas, estão uma corrida em que os participantes estouravam bexigas sentando no colo uns dos outros; um duelo de declarações de amor improvisadas utilizando objetos esdrúxulos; um desafio de encher de champagne uma torre de taças empilhadas; e a que talvez fosse a prova mais divertida de todas, uma espécie de jogo Imagem e Ação em que os participantes desenhavam em uma lousa no palco.
Vale destacar que o apelo infantil do programa era bastante forte. Muitas estrelas teen foram lançadas ou estouraram no Viva a Noite, como as boy bands Polegar e Dominó, e seus integrantes subiram incontáveis vezes no palco do Gugu. O programa foi ainda o primeiro a receber o grupo porto-riquenho Menudo no Brasil – numa espécie de entrada apoteótica, os cantores chegaram para a apresentação em bicicletas BMX. O programa contava ainda com momentos musicais em que Gugu era acompanhado por bizarros bonecos gigantescos, que também ficaram famosos entre os pequenos, como Bugaloo, uma mão gigantesca, um olho com cílios enormes e um nariz com um óculos pendurado.
Outro momento bastante esperado pelas crianças – e que gerava bastante medo entre algumas delas – era o quadro “Parece mentira, mas não é”, que era, na verdade, uma grande bobagem: imagens com manchetes fantasiosas de um jornal americano que eram lidas por um locutor de voz lúgubre. As notícias veiculadas eram coisas do tipo “cientista descobre que animais mortos vão para o céu esperar seus donos” e “homem vira espantalho na própria fazenda”. Ou seja, fake news assustadoras que faziam sentido apenas para um público dos anos 80.
Obviamente, a qualidade do Viva a Noite não pode ser medida pelas “réguas” atuais e pelos nossos padrões vigentes. Tal como boa parte das atrações que marcaram a história da TV, o programa fez sucesso justamente por concretizar esta espécie de poder mágico da televisão de nos fazer parte dela – por nos aproximar da “família” do SBT, conceito explorado pela emissora até hoje. Inimaginável hoje em dia, Viva a Noite consolidou um lugar cativo na memória sentimental dos que vivenciaram in loco as bizarrices dos anos 80.