A abertura da 12ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, nesta quarta-feira, é com uma sessão de luxo. O premiado filme Casa Izabel, dirigido pelo paranaense Gil Baroni, terá uma apresentação especial na Ópera de Arame, um dos pontos turísticos mais bonitos da cidade de Curitiba.
A obra – dirigida por Baroni em cima de roteiro de Luiz Bertazzo – conta a história de uma casa, na década de 1970, que funciona como uma espécie de refúgio da realidade: lá, homens da alta sociedade se encontram para se vestir como mulheres e exercer suas liberdades.
Casa Izabel está construindo uma carreira de sucesso nas premiações da área: foi escolhido Melhor Longa-Metragem na 26ª edição do Cine PE. Além disso, todo o elenco masculino do filme recebeu do júri os prêmios conjuntos de Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante.
Conversamos com o diretor Gil Baroni (que, dentre outras obras, também dirigiu o premiadíssimo Alice Júnior, disponível na plataforma da Netflix) sobre o seu novo filme e o que significa ter um filme convidado para abrir uma edição do Olhar de Cinema.
Escotilha » Queria que você falasse um pouco sobre Casa Izabel. O que levou a esse tema, e o que fazer esse filme significa para a sua carreira?
Gil Baroni » Casa Izabel partiu de uma ideia da Laura Haddad, que é coprodutora do filme, e também a atriz que interpreta a personagem Dália, a única mulher do filme. A Laura teve uma ideia baseada ou inspirada um livro de fotografias chamado Casa Susanna que é um livro de fotografias feito lá pelas décadas de 50 e 60 de homens e mulheres trans e travestis que praticavam crossdressing em uma casa no interior dos Estados Unidos.
Esse livro tem um tom enigmático, porque ele é só de fotos. E a história dele é muito interessante: um casal estava passando por um antiquário e encontrou uma caixa com essas fotos. Eles acharam aquilo misterioso e instigante e resolveram publicar em formato de livro, que se chamou Casa Susanna.
A Laura teve acesso a esse livro, que foi publicado por 2010, e falou sobre levar isso primeiro para o teatro, mas logo pensou no cinema. Foi assim que ela chegou até mim, pela Beija Flor Filmes. Assim foi a gênese de Casa Izabel. Na Beija Flor Filmes, a gente já articulou isso também com o Luiz Bertazzo, que é o criador de Alice Júnior, e que começou a desenvolver o argumento.
Quando a Laura trouxe a ideia, na hora eu pensei que queria contar essa história. São as histórias que definem os filmes que eu quero fazer, e essa é uma história instigante da qual eu queria fazer parte. Então demos continuidade nesta gênese de parceria.
Uma coisa interessante é que, quando a Laura chegou lá atrás com a ideia, ela já chegou também com a indicação dos atores que deveriam estar no filme. Isto também foi um desafio, pois geralmente é o contrário: começa pelo roteiro, para então escalar o elenco e fazer testes. Em Casa Izabel, o elenco já estava pronto antes de ter uma história definida.
O filme está fazendo uma bela carreira com muitos prêmios da área. Na sua visão, o que receber esse reconhecimento impacta na trajetória e no filme, e na sua?
O filme está começando ainda. Já ganhou prêmios no Cine PE, está agora abrindo o Olhar de Cinema e vai estrear internacionalmente no Frameline, em San Francisco, daqui a alguns dias. Ele está fazendo uma carreira muito bonita, que é merecida. Eu já venho produzido filmes que têm circulado bastante, que é muito importante, pois isso possibilita que as pessoas acessem nossas histórias.
O mais importante na trajetória de toda a equipe do Casa Izabel é ter os seus talentos reconhecidos. Esse foi um filme feito com muito carinho, afeto e dedicação de toda a equipe: arte, figurino, som, trilha sonora, o elenco, que é um desbunde… cada ator que está ali interpretando um personagem é muito forte e potente. Um elenco 100% paranaense que brilha muito na tela.
A história contada em Casa Izabel é real e provavelmente não saberíamos muito sobre ela sem o filme. Qual é a importância de que o cinema crie esses registros sobre a história?
A história, na verdade, é uma criação original de Luiz Bertazzo livremente inspirado nesse livro de fotografias. Nós ficamos encantados com esse universo, pois há um mistério, um magnetismo nessas pessoas que praticavam crossdressing, vivendo essas liberdades nos anos 50 e 60 na Casa Susanna.
O Bertazzo criou então essa história do zero e a trouxe para o Brasil nos anos de chumbo, na década de 1970, com repressão e ditadura. Então a casa ganhou uma outra conotação, adaptando-se à nossa realidade.
Vivemos um momento muito obscuro na cultura brasileira nos últimos quatro anos. Quais são as expectativas que você tem para o cinema brasileiro daqui para a frente? E para a sua produção?
Realmente vivemos um obscurantismo na cultura. Por mais de quatro anos (pois é preciso incluir dois anos após o golpe contra Dilma), foi muito ruim para o cinema. Fomos vilanizados o tempo todo, os recursos para investimentos dentro do setor foram reduzidos. Obviamente isso impacta toda uma carreira produtiva, pois somos sim uma indústria.
Com a nova gestão do governo Lula, o pensamento é diferente, é inclusivo. O pensamento anterior era de exclusão. E nesse movimento de inclusão, a cultura se afina, pois ela é essencialmente inclusiva. Agora temos a oportunidade de ver mais recursos destinados ao setor, mas é claro que ainda vai levar um tempo para isso chegar mais intensamente, pois tudo é um processo. A abertura de novos editais possibilita que a gente possa retomar a cadeia produtiva do cinema.
Por fim, o que significa para você essa honraria de estar presente na abertura do Olhar de Cinema, ainda mais sendo exibido na Ópera de Arame?
Com certeza, é uma honraria. O Olhar de Cinema é um festival que chega à sua puberdade com muita potência. É um evento revolucionário, pois desde que começou a sua trajetória, ele sempre instigou, provocou e trouxe para a cena paranaense outros olhares e perspectivas.
Eu praticamente participei de todas as edições e fui também influenciado por esses olhares, esses filmes que foram trazidos para essa cena pelo Olhar do Cinema. Estar na abertura do festival na primeira vez que a Ópera de Arame vai fazer este tipo de projeção é realmente muito importante.
E é também simbólico para várias gerações de realizadores e realizadoras paranaenses. Eu sinto que também represento os que vieram antes de mim, os que estão junto comigo e os que virão depois de mim, ou seja, todos os que inspiraram e influenciam o meu jeito de fazer cinema. Então tem a responsabilidade de saber que eu represento neste momento num festival tão importante toda uma construção histórica do Paraná.
O mais importante é saber que Casa Izabel não é só um filme, mas representa toda uma conquista do cinema do Paraná construída por muitos anos. A honraria é para o cinema paranaense, que cada vez mais se destaca e é reconhecido no Brasil e no mundo.
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