O subgênero “histórias de divórcio” está bastante popular nos últimos anos (lembre-se, por exemplo, de História de um Casamento, de 2019, e a série Cenas de um Casamento). Poderíamos encaixar a excelente série A Nova Vida de Toby, da Starplus, dentro deste filão. Mas a verdade é que ela é muito mais do que isso.
Baseada no romance best-seller Fleishman is in Trouble, da jornalista e escritora Taffy Brodesser-Akner, a série conta uma história tocante, mas, aparentemente, com poucas nuances. Depois de um casamento de quinze anos e dois filhos, o médico Toby Fleishman (Jesse Eisenberg) se divorcia da esposa, a agente de teatro Rachel (Claire Danes). Eles vivem então aquela dinâmica dolorosa de reorganizar a vida imersos nos rancores e farpas oriundos da separação.
Em um dia em que deveria buscar os filhos na casa do pai, Rachel simplesmente não aparece, nem atende qualquer forma de comunicação. Os dias vão se tornando semanas. Toby não pensa que algo aconteceu com ela, e sim que a super ambiciosa Rachel está sendo mais uma vez egoísta, e priorizando as suas necessidades sobre as dos outros.
A partir daí, ele precisa se adequar a uma vida de pai solteiro, tendo que se ajustar a um tempo cada vez mais escasso, à falta de paciência de quem precisa lidar com tudo e à própria redescoberta de sua identidade pessoal e sexual (agora, de uma hora para a outra, ele parece ser bastante desejável às mulheres nos aplicativos de namoro). Faz tudo isso enquanto fermenta a raiva em relação à mulher por quem um dia se apaixonou e que, agora, sendo finalmente “real”, parece ser uma pessoa detestável.
Uma visita dolorosa aos relacionamentos humanos
Mas, como disse no início deste texto, a grande riqueza de A Nova Vida de Toby é que nada é o que parece. Subjacente à trama do divórcio, há muito mais drama que envolve não apenas os Fleishmans, mas sobretudo os personagens que os cercam.
Um aspecto incrível de A Nova Vida de Toby é que, mesmo que a série tenha um nome masculino no título, as verdadeiras estrelas são as personagens femininas.
Com o divórcio, Toby se reaproxima de seus melhores amigos da faculdade, os igualmente judeus Libby (Lizzy Caplan) e Seth (Adam Brody). A verdadeira dinâmica do texto de Taffy Brodesser-Akner emerge justamente da tensão entre as vidas dos três.
Enquanto Toby construiu uma vida estável com o casamento com uma mulher tida pelos amigos como insuportável, Seth é um profissional da área financeira que parece viver a vida idealizada por muitos homens. Ele basicamente ganha muito dinheiro e salta de uma festa para a outra, saindo com as mulheres que quiser. Mas, com a chegada dos 40 anos, um vazio parece se pronunciar de forma cada vez mais forte dentro dele.
Já Libby (que, de forma muito inteligente, é a narradora de toda a série) é uma jornalista que nunca atingiu os seus sonhos (provavelmente por conta do machismo estrutural na revista em que trabalhava) e está há dois anos como dona de casa, cuidando dos dois filhos, enquanto o marido Adam (Josh Radnor, de How I met your Mother) traz o dinheiro.
Eles se mudaram para o subúrbio de New Jersey e compartilham uma vida que pode parecer perfeita para alguns: têm uma casa grande, com toda a tranquilidade para criar os filhos. Mas Libby se sente cada vez mais atormentada pela morte dos seus sonhos e parece lamentar a vida que não viveu. Com a reaproximação de Toby, ela tem uma certa oportunidade de experimentar de forma vicária algo mais emocionante.
Há, no trio de amigos, diversas nuances que tangem as frustrações comuns a muitas pessoas da geração X, as que adentraram já nos 40 e 50 anos. Nem jovens, nem velhos, são indivíduos que lidam com a perspectiva de que talvez muito do que almejavam para si não ocorreu e possivelmente não haja mais tempo para mudar de rota. Lidar com tudo isso traz um peso que nem sempre é fácil de carregar.
Uma série sobre mulheres
Outro aspecto incrível de A Nova Vida de Toby é que, mesmo que a série tenha um nome masculino no título, as verdadeiras estrelas são as personagens femininas. Há uma grande sacada na produção ao dar a voz central para Libby, a escritora frustrada que, de certa forma, não age como um deus onisciente, mas sim como alguém com um ponto de vista assumido e que vai compartilhando suas percepções sobre tudo o que vai acontecendo.
De modo sutil e inteligente, o roteiro vai nos levando à constatação de que Toby seja menos importante na história quanto parecia inicialmente. À medida em que Libby vai interferindo mais nos rumos da narrativa, vai ficando mais claro que ela traz uma centralidade feminina à história, o que a enriquece muito.
Isso dá margem para que entre em cena a verdadeira estrela de A Nova Vida de Toby: Claire Danes, que entrega uma performance estupenda como Rachel. Ao longo dos primeiros episódios da série, a personagem vai sendo constituída por cores que a pintam com uma vilanice que soa inverossímil. Parece simplesmente impossível que uma mulher seja tão abjeta como Toby se refere a ela.
E isso não é por acaso. No episódio sete, Rachel é finalmente apresentada de uma forma tridimensional que constrói uma mulher pesadamente humana, de maneiras que talvez só as outras mulheres compreendam. E o desenrolar de toda esta trama em oito episódios faz com que A Nova Vida de Toby seja, sem dúvida, uma das séries mais interessantes e profundas que estão disponíveis hoje nos catálogos de streaming.
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