Em cartaz nos cinemas brasileiros, Os Rejeitados é uma espécie de conto de Natal ao mesmo tempo edificante e subversivo. O filme desvia-se um tanto da trajetória usual do cineasta norte-americano Alexander Payne. Conhecido por sua abordagem sempre cáustica em relação ao American way of life em filmes como Eleição (1999), Sideways — Entre Umas e Outras (2004), Os Descendentes (2011) e Nebraska (2013), Payne propõe aqui, de maneira paradoxal, a harmonia, e não apenas o dissenso, na condução dessa sensível comédia dramática centrada em três personagens, que são obrigados a compartilhar o período festivo em um colégio interno vazio na Nova Inglaterra, norte do pais.
O diretor, reconhecido por explorar a singularidade de indivíduos que se isolam em suas peculiaridades, presos em incomunicabilidade, utiliza essa mesma premissa, só que desta vez para unir – e não separar – três figuras igualmente idiossincráticas e marginais, cada uma a sua maneira.
A notável escolha do elenco de Payne é respaldada pelo reconhecimento em premiações, consolidando Os Rejeitados como um dos favoritos para o próximo Oscar em pelo menos duas categorias de atuação, com sólidas chances de reconhecimento para os talentosos Paul Giamatti e Da’Vine Joy Randolph, ambos vencedores do Globo de Ouro e do Critics’ Choice Award. Também tem chance na categoria de melhor roteiro original, assinado por David Hemmington, já vencedor de vários prêmios da crítica. Vale lembrar que Payne é dono de dois Oscar, pelos roteiros de Sideways e Os Descendentes.
O encanto da narrativa reside na sua habilidade em estabelecer os três protagonistas em posições distintas.
O encanto da narrativa reside na sua habilidade em estabelecer os três protagonistas em posições distintas. Paul, interpretado com maestria por Giamatti, é um professor veterano rigoroso designado para supervisionar os alunos deixados no colégio durante as festas. Sua excentricidade transcende o comportamento irascível, estendendo-se até o estrabismo e seu peculiar odor de peixe. Sob sua supervisão, encontra-se Angus (a revelação Dominic Sessa), um jovem de personalidade difícil, cujas adversidades familiares são meticulosamente reveladas ao longo da trama.
Completando o trio está Mary (Joy Randolph), a chefe da cozinha do internato, que decide permanecer no local para lidar com o luto pela perda do filho, um estudante morto na Guerra do Vietnã e enterrado na escola pouco antes do recesso de fim de ano.
A narrativa desenrola-se quando um imprevisto obriga Angus, Paul e Mary a passarem o Natal juntos, após um pai decidir resgatar seu filho do colégio e convidar os demais alunos para sua casa. A inabilidade de Angus em viajar cria uma situação desconfortável, propiciando a aproximação gradual dos três personagens, especialmente entre Angus e Paul, que, apesar das diferenças, descobrem afinidades ao longo dos dias – ambos são rejeitados, cada um de sua forma. Um acidente na quadra em reforma reforça essa conexão, tornando-os cúmplices um do outro.
‘Os Rejeitados’: inspiração
A trama de Os Rejeitados encontra inspiração no filme francês Merlusse (1935) de Marcel Pagnol, entrelaçando-se com elementos de A Última Missão (1973), de Hal Ashby, uma influência constante na carreira de Payne, por também construir seus filmes em torno de personagens e não de plots. A estética granulada e as dissoluções de cenas, características marcantes dos anos 1970, homenageiam Ashby, contribuindo para a atmosfera nostálgica do filme. Até os pôsteres do filme são retrôs.
Embora a nostalgia permeie a proposta, Payne transcende esse elemento ao concentrar-se nas fendas e feridas emocionais dos personagens. A abordagem centrada nos protagonistas e o interesse do diretor em explorar suas complexidades libertam o filme de possíveis amarrações do roteiro, permitindo que a história se desenvolva de maneira orgânica, fluida, sensível. Os Rejeitados destaca-se como uma comédia sobre outsiders que navega pela melancolia e pela alienação, mas aponta para uma luz no fim do túnel.
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