No meio do centro de São Paulo, na abandonada região da Luz, há algo de mágico acontecendo: um espaço aberto para que qualquer pegue o microfone e comece a cantar. A instalação Karaokê Infinito, idealizada pela artista gaúcha Manuela Eichner, está ocupando temporariamente o Saguão B do Museu da Língua Portuguesa.
O projeto se insere em uma mostra maior, chamada Essa Nossa Canção, que explora a ligação da língua portuguesa com a música. Só que, enquanto a mostra está alocada nos espaços pagos do museu, o Karaokê Infinito está aberto para a rua. Basta chegar nos horários em que está aberto (de terça a sábado, das 10h e 17h) e começar a cantar.
No repertório, músicas populares do cancioneiro brasileiro, que adentram em um espaço colorido e lúdico, proporcionando uma diversão democrática a quem nem sempre é contemplado pelas artes, como a população em situação de rua que habita a região. Segundo Manuela, quando recebeu o convite para criar a obra instalativa, imediatamente pensou em interação por meio do cantar. Já a ideia do karaokê veio da curadora Isa Grinspum. “Foi fatal, na hora comecei a ver toda a relação da colagem com o contexto social da Estação da Luz e dessa forma, fui pensando e pesquisando sobre Karaokês (estilos/história/decoração/estética) e a ideia disso no Brasil, juntamente com a potência do símbolo do Infinito”, contou à Escotilha.
O infinito surge na proposta da instalação não por acaso. “Pois o infinito nunca volta pro mesmo lugar, é movimento como sinal da mudança, que troca com o meio, com o fluxo, vitalidade que não para. Então esse foi o meu desejo primordial, criar um espaço/território nômade para as pessoas se sentirem à vontade, confortáveis para cantar, parar, imaginar, revitalizarem e reencantarem seus sentidos por alguns minutos, horas, ínfimos infinitos de conexão. O Karaoke pra mim é um cenário de um filme que se desloca por cenários em desencanto”, pontuou Manuela.
A interação com o público
A concretização da proposta do Karaokê Infinito só foi possível por um detalhe: o fato de o saguão onde está a instalação ficar virado para a rua, sem a necessidade de ingresso. “O Karaokê foi nascido e criado como obra social, obra feita para as pessoas. Essa é a ousadia e consciência na qual mais me conectei com a proposta de usar o espaço entre, o espaço de passagem, ou como eles chamam o ‘quintal’ do Museu”, afirma a artista.
“As pessoas realmente amam cantar, e o ato de cantar provoca muitas emoções e transformações. Torna tudo mais vulnerável. Eu choro todos os dias que visito, porque sempre há encontros”.
Manuela Eichner
A região da Luz, onde está o Museu da Língua Portuguesa, é um espaço onde habitam muitas pessoas em situação de vulnerabilidade. O cenário costuma ser decodificado como algo negativo apenas, mas recebeu um respiro com a instalação de Manuela Eichner. Ela explica: “a Rua é espaço vivo por natureza, espaço da mistura, do conflito, do ritmo, de características fortes e muitas vezes, como nesse ambiente, radical. A partir daí, criei a coisa mais bonita e refinada que poderia imaginar para a Rua, para aquelas portas pra cidade, no intuito do convite ser para todo mundo, e é lindo quando as pessoas vão chegando e se aproximando devagar e entendendo que isso é pra elas também”.
Manuela coleciona vários momentos emocionantes testemunhados durante os quase dois meses de Karaokê Infinito – incluindo a performance de um Homem Aranha durante o Carnaval. “As pessoas realmente amam cantar, e o ato de cantar provoca muitas emoções e transformações. Torna tudo mais vulnerável. Eu choro todos os dias que visito, porque sempre há encontros. Lembro quando um homem chamado Rogério pegou o microfone e cantou ‘Como uma deusa’, chorou copiosamente. Olhou e nos disse: ‘agora eu lembrei da minha mãe’! Outro Rogério, vendedor de balas, também emocionado, disse: ‘Há quanto tempo que não fazia isso’… foi e voltou e só naquele dia cantou 15 músicas. Depois contou que era de uma banda de pagode antes de “tudo lhe acontecer””, conta.
Sobre a artista
Manuela Eichner é uma artista visual gaúcha cujos trabalhos buscam ocupar e transformar os espaços de arte por meio de práticas imersivas, ultrapassando os limites dos suportes e promovendo uma experiência coletiva. Formada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ela já participou de programas artísticos em diversas cidades, como o Arte Pará em Belém, o ZK/U em Berlim e o AnnexB em Nova York.
A democratização da arte e dos espaços públicos faz parte da essência do seu trabalho. “Ocupar e transformar os espaços tradicionais de arte com práticas mais imersivas e democráticas borrando limites é a minha estratégia no sistema. Que é também uma estratégia de autonomia, pois convoco outras relações. Me interessa ofertar uma experiência criativa pra todos”, conclui Manuela.
A instalação Karaokê Infinito faz parte da exposição temporária Essa nossa canção, que aborda a diversidade da língua portuguesa falada no Brasil através de músicas de diversos gêneros, como piseiro, funk, axé music, forró, samba e bossa nova, entre outros, de artistas que vão de Lia de Itamaracá a MC Marcelly e Mano Brown, em experiências imersivas e audiovisuais. No Karaokê Infinito, inclusive, muitas das faixas presentes na mostra, como “Garota de Ipanema” (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) e “Flor e o Beija-Flor” (Marília Mendonça/Juliano Tchula), podem ser escolhidas para serem cantadas.
SERVIÇO | Karaokê Infinito
Onde: Museu da Língua Portuguesa (Praça da Luz, s/nº – Centro Histórico de São Paulo | São Paulo/SP);
Quando: desde 3 de fevereiro até 23 de março; terça a sábado, das 10h às 17h;
Quanto: Grátis
Essa nossa canção
Onde: Museu da Língua Portuguesa (Praça da Luz, s/nº – Centro Histórico de São Paulo | São Paulo/SP);
Quando: desde 3 de fevereiro; terça a domingo, das 9h às 16h30 (com permanência até as 18h);
Quanto: R$ 20 (inteira); R$ 10 (meia). Grátis para crianças até 7 anos. Aos sábados, a exposição é grátis.
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