No final de 2024, a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA) divulgou dados alarmantes sobre a produção de lixo no Brasil. De acordo com o panorama publicado à época, a geração de resíduos por habitante aumentou no período de um ano. Enquanto você lê essas linhas, um cidadão está descartando cerca de 40 gramas de resíduos, totalizando 382 quilos, em média, por ano, mais de um quilo por dia. Ao todo, oitenta milhões de toneladas foram descartadas em 2023.
É em um cenário como esse que o Brasil receberá a COP30, mas não só: a Bienal do Lixo ocupa, até o próximo dia 25, o Parque Villa-Lobos, em São Paulo, para sua segunda edição. Mas o que é possível tirar de proveito de um evento desse gênero para uma realidade cada vez mais caótica? “A Bienal do Lixo tem um papel essencial na conscientização e na mobilização da sociedade para a importância da economia circular e do consumo responsável”, aponta Mário Frias, diretor da Bienal.
Há questões graves a serem percebidas pela humanidade. Grandes potências, como os Estados Unidos, têm colocado em xeque iniciativas que visam conter os desafios ambientais globais, como no caso do Acordo de Paris. A possibilidade de que um evento como a Bienal coloque tais questões em perspectiva pode soar pouco crível, mas não na visão de seus organizadores. “Quando trazemos a questão dos resíduos para o centro da conversa, mostramos que sustentabilidade não é apenas uma pauta governamental, mas uma necessidade coletiva”, afirma Rita Reis, diretora-executiva da Bienal do Lixo.
Conversamos com a dupla, responsável por colocar de pé uma estrutura que ocupa 3.000 m² no entorno da Biblioteca do Parque Villa-Lobos, buscando compreender como a arte poderia ser esse agente provocador de mudanças. Confira abaixo o papo exclusivo.

Escotilha » A Bienal do Lixo propõe reflexões sobre consumo consciente e soluções sustentáveis. Como vocês enxergam o impacto do evento na mudança de hábitos da população? Há alguma métrica ou estudo para medir esse impacto?
Mário Frias » A Bienal do Lixo tem um papel essencial na conscientização e na mobilização da sociedade para a importância da economia circular e do consumo responsável. Nosso impacto pode ser medido de diferentes formas: pelo engajamento do público nas atividades, pela adesão de novas empresas e instituições a práticas mais sustentáveis e pelo alcance das discussões promovidas. Além disso, acompanhamos indicadores como o volume de resíduos desviados de aterros por meio das iniciativas apresentadas e parcerias firmadas durante o evento.
O evento tem uma proposta educativa e interativa. Como vocês avaliam o papel da arte como ferramenta para impulsionar a consciência ambiental e provocar mudanças estruturais na forma como lidamos com resíduos?
MF » A arte tem o poder de sensibilizar, questionar e transformar. No contexto da Bienal do Lixo, ela atua como um canal para tornar temas complexos, como logística reversa e impacto ambiental, mais acessíveis ao público. Quando um objeto descartado se torna arte, ele ressignifica a noção de lixo e incentiva uma mudança na forma como as pessoas enxergam o descarte. Além disso, a arte tem um alcance transgeracional e transdisciplinar, ajudando a gerar um impacto estrutural na forma como lidamos com os resíduos.
A Bienal do Lixo 2025 se conecta diretamente à COP30, que acontecerá no Brasil. Como o evento pode contribuir para o debate global sobre mudanças climáticas e políticas públicas de sustentabilidade?
MF » A COP30 será um marco para o Brasil e para a agenda climática global, e a Bienal do Lixo desempenha um papel importante nesse contexto ao trazer o debate sobre resíduos sólidos para o centro das discussões sobre mudanças climáticas. O setor de resíduos representa uma grande oportunidade de mitigação de emissões e desenvolvimento econômico sustentável, e a Bienal reúne especialistas, empresas e formuladores de políticas públicas para fortalecer essa pauta. Além disso, conectamos iniciativas locais a tendências globais, mostrando que soluções eficazes já estão sendo implementadas.

Diante do aumento das emissões de CO₂ e da crise climática, como iniciativas como a Bienal do Lixo podem ir além da conscientização e se tornar parte de soluções estruturais?
MF » Conscientização é o primeiro passo, mas a Bienal do Lixo vai além disso ao impulsionar soluções concretas. O evento reúne empresas, ONGs e órgãos públicos para discutir modelos de negócios sustentáveis, políticas públicas eficientes e avanços tecnológicos. Além disso, incentivamos a implementação de práticas sustentáveis através de parcerias e da visibilidade que damos a iniciativas bem-sucedidas. Nosso compromisso é fazer com que os diálogos gerados aqui se traduzam em ações práticas.
‘Eventos culturais como a Bienal do Lixo desempenham um papel fundamental ao democratizar o debate ambiental.’
Em um cenário onde governos de grandes potências, como os Estados Unidos, já saíram e voltaram ao Acordo de Paris, e onde interesses econômicos ainda freiam avanços ambientais, qual é o papel de eventos culturais como a Bienal do Lixo na disputa política pelo futuro do planeta?
Rita Reis » Eventos culturais como a Bienal do Lixo desempenham um papel fundamental ao democratizar o debate ambiental. Quando trazemos a questão dos resíduos para o centro da conversa, mostramos que sustentabilidade não é apenas uma pauta governamental, mas uma necessidade coletiva. O evento dá voz a diferentes atores da sociedade, desde catadores até grandes empresas, promovendo o engajamento direto da população. Essa mobilização é essencial para pressionar por mudanças políticas e regulatórias mais ambiciosas.
O evento recebe apoio de empresas privadas, algumas das quais atuam em setores que lidam diretamente com a produção de resíduos e emissões. Como garantir que essa relação com o mercado seja de fato sustentável e não apenas uma estratégia de greenwashing?
RR » A Bienal do Lixo tem um compromisso inegociável com a transparência e o impacto real. As empresas que apoiam o evento são incentivadas a apresentar ações concretas para redução de resíduos e economia circular. Nosso espaço não é para discursos vazios, mas para soluções aplicáveis. Além disso, mantemos um diálogo aberto com a sociedade civil e especialistas para garantir que a participação do setor privado gere compromissos mensuráveis e não apenas marketing verde.

A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo. O Desfile de Moda Consciente da Bienal propõe uma reflexão sobre o impacto do setor. Quais marcas ou estilistas participarão e como a moda sustentável pode ser escalável dentro da lógica de mercado atual?
RR » O Desfile de Moda Consciente busca mostrar que sustentabilidade na moda não é tendência passageira, mas uma necessidade estrutural. Nesta edição, teremos estilistas e marcas comprometidos com materiais recicláveis, processos produtivos de baixo impacto e modelos de negócios circulares. Além disso, discutiremos como o setor pode escalar práticas sustentáveis por meio de inovação, regulação e mudanças no comportamento do consumidor.
A Casa Sustentável mostrará soluções ecológicas para o dia a dia. Como garantir que essas práticas sejam acessíveis a diferentes realidades socioeconômicas e não fiquem restritas a uma elite ambientalmente consciente?
RR » A sustentabilidade precisa ser acessível para ser efetiva. A Casa Sustentável trará soluções práticas e de baixo custo para diferentes perfis de consumidores. Além disso, buscamos mostrar que práticas sustentáveis podem gerar economia no longo prazo, como o reaproveitamento de materiais e a eficiência energética. Também trabalhamos com parceiros que promovem inclusão social, garantindo que a transição para um modelo mais sustentável não seja elitista.
O evento oferece acessibilidade para pessoas com deficiência, o que é fundamental. Além disso, como a Bienal do Lixo lida com questões de justiça climática, considerando que comunidades mais vulneráveis são as mais impactadas pelo colapso ambiental?
RR » Justiça climática está no centro das discussões da Bienal do Lixo. Sabemos que os impactos ambientais não são distribuídos de forma igualitária, e que as comunidades mais vulneráveis sofrem desproporcionalmente com a crise climática. Nosso evento aborda essa questão por meio de painéis que discutem políticas públicas inclusivas, valorização dos catadores e a necessidade de uma transição ecológica justa. Além disso, buscamos dar visibilidade a projetos de base comunitária que já estão transformando realidades locais.
Em Salvador, a Bienal acontece pouco depois do verão, uma estação que tem registrado temperaturas recordes e impactos severos no Nordeste. Haverá alguma programação específica para discutir os desafios ambientais da região?
RR » Sim, estamos atentos às especificidades regionais. O Nordeste tem sido um dos territórios mais afetados por eventos climáticos extremos, como secas e ondas de calor. Durante a edição de Salvador, teremos painéis específicos para discutir os desafios ambientais da região, desde soluções para a gestão hídrica até formas de adaptação às mudanças climáticas. Nosso objetivo é trazer especialistas locais e dar visibilidade às soluções que já estão sendo implementadas.
SERVIÇO | BIENAL DO LIXO 2025 – SÃO PAULO
Onde: Parque Villa-Lobos, Av. Professor Fonseca Rodrigues, 2.001 – Alto dos Pinheiros | São Paulo;
Quando: 21 a 25 de maio de 2025, das 9h às 18h;
Quanto: Entrada gratuitacom retirada de ingressos via Sympla (clique aqui para retirar);
Mais informações no site oficial: www.bienaldolixo.com.br.
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