Sucesso editorial, o romance Copo Vazio, da escritora e psicanalista Natalia Timerman, conquistou um imenso público ao dar corpo e letra a uma dor recorrente desses chamados tempos de amor líquido: o desaparecimento do ser amado sem grandes explicações. Ainda que “levar um fora” não seja exatamente uma experiência nova, a profusão de estímulos e ofertas humanas no ambiente digital pode estar favorecendo que o sujeito que perde o interesse em um relacionamento simplesmente suma, sem sentir que tem alguma compromisso com a dor alheia.
Na montagem teatral realizada pelo diretor Bruno Perillo, a partir de dramaturgia de Angela Ribeiro, o desafio é transpor essa experiência ligada ao digital para os palcos. O que não é nada fácil, uma vez que as dores do abandono se relacionam com a solidão, com o silêncio e com a falta do interlocutor desejado.
A proposta, contudo, é bem enfrentada a partir das escolhas feitas pelo espetáculo, que se situa em um cenário minimalista e moderno, onde vive Mirela (interpretada por Carolina Haddad), uma arquiteta bem sucedida que, certo dia, se encanta com Pedro (Vinicius Neri), um doutorando que parece estar ainda tateando a vida. E é em São Paulo, num bairro escolhido a dedo (na Vila Buarque, sendo que Pedro mora exatamente na frente do Sesc Consolação) que eles vão se apaixonar e mergulhar em três meses de paixão.
Por ser que esteja aí a grande sacada dessa versão teatral de Copo Vazio: a inserção do humor uma das chaves possíveis para lidar com o abandono.
Mas já sabemos, desde o início, que essa é uma história sobre perda. Mesmo tudo parecendo tão fascinante e promissor, Pedro uma hora some. Não fecha a porta de uma vez: como vemos, ele vai aos poucos saindo, enquanto responde mensagens dizendo que tem saudades e nutrindo a paixão de Mirela. Teria ele alguma responsabilidade aqui, ou foi Mirela que criou completamente uma pessoa para destinar o seu afeto?
No teatro, essa discussão é abordada de uma forma interessante em que o digital se projeta por meio de um telão ao fundo do palco do Sesc Belenzinho. É lá que acompanhamos detalhes da experiência de Mirela: as mensagens trocadas entre os dois, a playlist que embala o romance, o passeio que ela faz no cardápio dos aplicativos.
A visão que temos, tal como no romance, é a da mulher que se sente abandonada e que criou um universo de sentidos dentro de si. Não são os sentimentos de Pedro que são analisados ali. Ele mal tem voz e, quando fala, fica explícito que não está em contato com os próprios afetos.
Isso se evidencia de forma muito oportuna no fato de que Vinicius Neri se reveza entre diferentes papéis: além de Pedro, ele também é o melhor amigo de Mirela, seu terapeuta, o colega de quarto, entre outros personagens. A peça ainda explora um jogo de cena metalinguístico, em que os atores conversam entre si sobre opções feitas para a montagem, performando pequenos ensaios na frente do público
Pode ser que esteja aí a grande sacada dessa versão teatral de Copo Vazio: a inserção do humor uma das chaves possíveis para lidar com o abandono. Ao assistirmos a Pedro, durante a peça, em um karaokê cantando Marília Mendonça, surge a centelha de que a leveza talvez seja o único remédio para superar a dor do ghosting.
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