A abordagem de crimes reais em narrativas de ficção é uma prática hoje recorrente na indústria do entretenimento, especialmente no gênero true crime, que alcançou imensa popularidade, particularmente nos Estados Unidos, mas, também por aqui. O Brasil, embora tenha produzido poucas obras nessa vertente, vem acompanhando essa tendência com um número crescente de lançamentos. Exemplo disso é o filme que retrata Francisco de Assis Pereira, o “Maníaco do Parque”, recém-lançado pela plataforma de streaming Amazon Prime Video.
As sequências de violência, normalmente fundamentais na construção desse gênero cinematográfico, com o objetivo de causar tensão, são muito mal encenadas, pudicas até.
A narrativa de Maníaco do Parque gira em torno de Elena (Giovanna Grigio), uma jovem jornalista, personagem fictícia que inicia sua carreira investigando os crimes de Francisco para o lendário diário paulistano Notícias Populares. A princípio, o objetivo da repórter é conquistar reconhecimento profissional, mas à medida em que a história avança, sua missão transforma-se em uma jornada pessoal de enfrentamento do trauma coletivo, de viés feminista, causado pelos assassinatos.
Essa construção narrativa serve como base para abordar temas sociais contemporâneos, como o machismo, a misoginia e a violência de gênero. Esse excesso de questões complexas em torno da protagonista em uma narrativa de pouco menos de duas horas, entretanto, compromete muito o equilíbrio dramático da obra. O roteiro não dá conta de tudo isso e resulta superficial, quando não leviano em suas ambições.
‘Maníaco do Parque’: direção inconsistente
A direção de Maurício Eça, que também assinou os também fracos A Menina Que Matou os Pais e O Menino Que Matou Meus Pais, sobre o caso Suzane Von Richthofen, é pouco inventiva, assim como o próprio roteiro, que não se aprofunda em nada e não consegue alcançar o impacto emocional pretendido. A trama, em vez provocar reflexões, acaba reproduzindo clichês. Resvala no caricato e no mau gosto.
Nem mesmo a crítica à imprensa sensacionalista funciona. O editor e o repórter policial do Notícias Populares, vividos respectivamente por Marco Pigossi e Bruno Garcia, são estereotipados e risíveis. Não têm qualquer tridimensionalidade.
O desfecho da narrativa, marcado por um tom melodramático meio injustificável, tenta se apoiar em pautas sociais urgentes, mas acaba por colocar a protagonista em situações que beiram o constrangimento, ao passo que Francisco – vivido por um convincente Silvero Pereira – mantém uma presença cênica forte e por vezes, de fato, assustadora.
É irônico que, em um filme que pretende desviar o foco da figura do assassino, de certa forma exaltando as vítimas e a figura de uma jornalista mulher, acaba tendo efeito contrário: o criminoso sai vitorioso do jogo narrativo.
As sequências de violência, normalmente fundamentais na construção desse gênero cinematográfico, com o objetivo de causar tensão, são muito mal encenadas, pudicas até. O diretor parece desconfortável ao conduzi-las. Embora alegue prestar homenagem às vítimas, Maníaco do Parque não chega lá. Nenhuma delas é desenvolvida ao ponto de ter qualquer relevância dramática na trama.
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