Logo no início da exibição do novo Linha Direta, repaginado em versão 2023, o apresentador Pedro Bial destacou em seu texto: entidades de direitos humanos requisitavam há tempos a volta do programa, que tem como premissa a divulgação de crimes em aberto e com suspeitos foragidos, que poderiam ser finalmente capturados a partir da visibilidade da Globo.
Parece haver até um certo deboche nesse texto, uma vez que o programa – que, em sua versão mais famosa, foi exibido entre 1999 e 2007 sob a apresentação de Marcelo Rezende e Domingos Meirelles – era amplamente execrado pela crítica. Por trás desse verniz de “serviço público justiceiro” (o que, por si mesmo, já é questionável de muitas maneiras), havia ali uma intenção de fazer a Globo rivalizar com outras atrações policialescas que até hoje fazem tanto sucesso em outros canais (como o Balanço Geral e o Brasil Urgente). Inclusive, foi a única incursão da emissora global neste nicho.
Com tantas possibilidades no horizonte, causa até um certo espanto que a Globo queira retomar a atração – ainda mais sob o comando de um de seus nomes mais conhecidos do jornalismo. Mas assistindo ao primeiro episódio, no dia 4 de maio, ficou bastante evidente que a onda que a emissora tenta surfar é a do true crime, esse gênero que se tornou extremamente popular e que se baseia no consumo de informações (geralmente, trabalhada por muitos recursos dramáticos) de casos de crimes reais, quase sempre assassinatos.
Basta um mero passeio em redes sociais (como TikTok, Youtube) ou mesmo uma visita às livrarias para ver que há uma verdadeira febre neste entretenimento sobre crimes. Linha Direta, de modo muito explícito, quer trazer aos espectadores esse prazer (a palavra serve bem aqui) de saber de detalhes envolvendo mentes de assassinos e a execução dos seus crimes.
Contudo, a pergunta que fica após assistir ao primeiro episódio da nova versão do Linha Direta é essa: precisamos de mais um true crime, ou já nos regozijamos o suficiente com as tragédias alheias?
‘Linha Direta’ investe em mais do mesmo
16 anos depois, o programa policial retoma com a mesma linha estética sombria, e até mal feita pelos padrões Globo.
Pesquisei o programa Linha Direta em minha dissertação de mestrado, entre os anos 2003 e 2005 (link aqui para quem tiver o interesse de ler). Durante os dois anos de estudos, assisti ao programa semanalmente, e várias vezes, procurando entender as estratégias de linguagem que eram usadas para criar as famosas “dramatizações”- aquelas encenações com os atores para expor ao público os crimes e seus antecedentes.
O que mais me chamou a atenção no Linha Direta com Pedro Bial é a sensação forte de proximidade com o original. 16 anos depois, o programa policial retoma com a mesma linha estética sombria, e até mal feita pelos padrões Globo. Além disso, a própria lógica do roteiro (repleto de expressões clichês dos piores romances policiais, como frases do tipo “era a última vez que fulano seria visto com vida”) segue a mesma.
As reconstituições têm algo de tosco, e agora há também uma espécie de encenação geográfica num palco (que parece, mais uma vez, um lugar abandonado onde um crime pode ter acontecido), com a interação de Bial no que seria a vizinhança em que ocorreu o assassinato apresentado ao público: o “célebre” caso da morte da adolescente Eloá depois de um longo sequestro orquestrado por seu ex-namorado.
Ou seja: claramente Linha Direta agora quer explorar o filão dos “crimes famosos”, por mais horrendo que isso pareça. A questão da busca ao suspeito foragido (que, como escrevi no início, também é questionável) foi reservado, no máximo, aos cinco minutos finais do programa – e sem o uso do recurso da dramatização.
De alguma forma, Linha Direta 2023 recupera o mote de uma versão especial do programa, que era chamada de Linha Direta Justiça, e que investigava (por vezes, com bons resultados, como no episódio que foi dedicado a Zuzu Angel) crimes históricos. A julgar pelo primeiro episódio da nova temporada, está bem aquém do que era feito por lá. Resta agora saber se irá agradar o público.
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