Adaptar para o cinema um musical de grande sucesso nos palcos exige um exercício de cálculo estratégico. Esse processo passa pela avaliação precisa de fatores como o momento ideal para o lançamento, a escolha do elenco e a capacidade da obra de atrair um público além do círculo dos entusiastas de musicais.
Mesmo quando todos esses elementos parecem alinhados — como na nova versão de Amor, Sublime Amor (West Side Story), dirigida por Steven Spielberg e apoiada por jovens talentos promissores —, o resultado nem sempre é um triunfo comercial. Apesar de bem recebido pela crítica, o filme enfrentou um desempenho financeiro modesto, amplamente atribuído às limitações impostas pela pandemia.
Jon M. Chu vivenciou situação semelhante com sua adaptação de Em um Bairro de Nova York (In the Heights), uma produção bem avaliada que, contudo, falhou em mobilizar uma audiência significativa, também prejudicada pelas circunstâncias globais da época.
Agora, Chu se lança em um novo desafio, liderando um projeto que carregava expectativas ainda maiores: a adaptação de Wicked para o cinema. Dividido em duas partes, o filme se baseia no musical que conquistou reconhecimento internacional, por sua vez inspirado em um livro derivado do clássico O Mágico de Oz.
Desde sua estreia há 21 anos, Wicked continua a atrair plateias numerosas na Broadway e em turnês ao redor do mundo, consolidando-se como uma das produções mais icônicas do teatro musical contemporâneo. Além disso, canções como “Defying Gravity” transcenderam os limites do gênero, alcançando um status cultural raro. Com tamanha herança e relevância, o filme parece predestinado ao sucesso — mas, como a história recente demonstra, nada era garantido.
O que realmente pode determinar o impacto de Wicked no cinema é a forma como a adaptação traduz a essência do original – o filme já é um estrondoso sucesso de bilheteria, com fortes chances de indicações ao Oscar 2025.
Chu mostra um domínio notável sobre o ritmo e a linguagem visual dos musicais, alternando momentos de introspecção com sequências vibrantes e enérgicas. Ele usa a câmera para criar uma sensação de movimento constante, capturando a vitalidade dos números musicais enquanto mantém o foco narrativo.
Chu mostra um domínio notável sobre o ritmo e a linguagem visual dos musicais, alternando momentos de introspecção com sequências vibrantes e enérgicas.
A história, centrada na relação entre Elphaba (que se tornará a Bruxa Má do Oeste) e Glinda (a futura Bruxa Boa), é conduzida com fluidez, respeitando o impacto emocional das canções enquanto preenche os intervalos narrativos com dinamismo. Cynthia Erivo, com seu impressionante alcance vocal, entrega uma performance sólida, enquanto Ariana Grande encontra um equilíbrio entre sua persona de estrela pop e sua atuação dramática, destacando-se de maneira surpreendente.
Outro ponto de destaque é a fidelidade do filme ao espírito do espetáculo teatral. Chu consegue equilibrar o humor e a emoção da narrativa, mesclando elementos fantásticos com mensagens universais de tolerância e empatia. Para os fãs do musical — como o próprio autor, que assistiu à produção original na Broadway em 2004 —, a adaptação demonstra um respeito evidente pela obra, preservando suas características mais marcantes.
Ainda assim, a transposição para o cinema apresenta alguns desafios técnicos. A mixagem de som, por exemplo, muitas vezes faz com que os números musicais pareçam desconectados da ação dramática, como se fossem videoclipes inseridos na narrativa. Além disso, o uso extensivo de CGI, com paisagens artificiais e cenários brilhantes, embora visualmente impressionante, carece da materialidade e da atmosfera sombria que distinguem a experiência teatral. Essas limitações, contudo, são amplamente compensadas pela força das performances centrais. Erivo e Grande criam momentos de genuína conexão emocional, como na cena do Ozdust Ballroom, e se destacam em canções icônicas como “The Wizard and I’ e “Popular”.
O clímax inevitável é “Defying Gravity”, um dos momentos mais aguardados do filme. Chu acerta ao colocar a música no centro das atenções, embora algumas decisões de enquadramento sacrifiquem a intensidade de closes cruciais na interpretação de Erivo. Ainda assim, o impacto emocional do número permanece poderoso, fechando a primeira parte de forma memorável.
Independentemente do resultado nas bilheterias, já mais do que positivos, Wicked oferece uma lição importante sobre o valor do planejamento meticuloso e da visão de longo prazo. É uma prova de que projetos ambiciosos exigem paciência, cuidado e uma compreensão profunda de suas próprias limitações e possibilidades. Para desafiar a gravidade, primeiro é necessário entendê-la.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.