Ao assistir à novela das nove, uma mulher toma um choque: é a sua vida que está sendo contada ali. E, o que é pior, a história retrata um segredo seu que há décadas ela luta para esconder. O mote inicial de A Vilã das Nove, filme de Teodoro Poppovic (de Rota 66) é tão rocambolesco que parece já ter sido visto antes. Mas a graça desse longa-metragem brasileiro é que ele foge dos que seriam os caminhos mais óbvios: o flerte com a ficção científica ou com um novelão mexicano.
As soluções buscadas pela trama são muito sutis e poéticas – e a qualidade do filme se deve, em grande parte, pelo seu elenco estrelado. A começar pela protagonista, a grande Karine Teles (que, atualmente, vive a Aldeíde em Vale Tudo e é dos maiores destaques da novela de Manuela Dias). Em A Vilã das Nove, ela é Roberta, uma preparadora vocal que vive em um mundo cool das artes, enquanto divide a criação da filha com o ex-marido (papel vivido pelo cantor Negro Léo).
O filme ganha força justamente por fazer a protagnoista tridimensional e complexa. Há aqui um diálogo possível com A Filha Perdida, romance de Elena Ferrante.
Embora haja alguns conflitos, em geral, as coisas fluem bem, e Roberta se divide entre os atendimentos em casa, a maconha, quando a filha sai, e os eventos descolados que costumam pipocar. Um dia, ela acaba indo parar na festa na casa de uma atriz (Camila Márdila, a Jéssica de Que Horas Ela Volta?) que comemora o lançamento de sua nova novela, chamada “A Má Mãe”.
O susto vem quando o primeiro capítulo é exibido e Roberta nota que a trama da novela é familiar: os episódios retomam momentos do seu passado que ela prefere esconder. Tal como Édipo, não há como fugir do destino – e ele novamente cruza a sua jornada por meio de uma das autoras do folhetim, a jovem Débora (vivida por Alice Wegmann).
‘A Vilã das Nove’: quando o passado bate à porta
Intimista, o filme de Teodoro Poppovic transita entre gêneros: há algo de humor, um pouco de suspense. Mas, em geral, trata-se de uma obra tocante que explora especialmente a vida emocional de Roberta. Relutante em se confrontar com o próprio passado, ela busca desesperadamente por subterfúgios para que tudo permaneça como está (o que nunca é possível, como bem sabe qualquer um que conheça a peça de Sófocles).
O filme ganha força justamente por fazê-la tridimensional e complexa. Roberta foge de sua antiga vida e prefere a que construiu para si, por meio de escolhas que podem, à primeira vista, soar apenas fúteis e egoístas. Há aqui um diálogo possível com A Filha Perdida, romance de Elena Ferrante que foi transformado em filme com a direção de Maggie Gyllenhall, e fala de uma mãe que opta por deixar suas filhas com o marido para buscar a própria vida.
Há dor na história de Roberta e Débora, mas há também prazer, desejo sendo atendido. Ao atentar-se a essas facetas, A Vilã das Nove ganha contornos de poesia e de vida por quem sabe que nada é preto ou branco – nem a maternidade. Resta, ao fim do filme, a memória musical pelo belo uso que o filme faz com a lindíssima “Pessoa”, música de Marina Lima.
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