Na quinta-feira fui surpreendido pelo calendário. Ao acordar cedo, levei um susto imenso ao ver que setembro passou voando e já deixara outubro batendo na janela, junto com a leve brisa e a chuva que sempre vem.
“Acordem Billie Joe”, eu pensei, com a mesma piada de sempre, desde que o single “Wake Me Up When September Ends” fora lançado em 2004. O ano de 2015, que chegou com tanta expectativa, someway, somehow já começava a falar em tom de despedida. Enquanto isso, tomando café, levei as mãos à cabeça aflito sobre o que trazer para cá.
Falar sobre música não é fácil. Ainda mais quando você não consegue dedicar parte da sua atenção a todos os estilos, tampouco quando o fluxo de informação cria uma maré de referências, que fica difícil acumular tempo para deixar de lado inclusive os preconceitos com um estilo e outro, e analisa-lo a fundo. Foi o caso nessa semana; por maior que fosse o esforço, menor era o tempo hábil para juntar os livros, os álbuns e os fones.
Dessa forma, resolvi trazer à mesa esse tom de despedida de 2015 e começar uma retrospectiva precoce sobre os lançamentos que tivemos nesse ano. Graças à minha ansiedade, já separei faixas que entram na coletânea de um ano que agradou troianos, mas nem tanto a gregos.
A primeira faixa foi lançada em janeiro e está presente no full lenght Jekyll + Hyde, da banda de country (predominantemente country) Zac Brown Band, em mais uma alusão ao médico e ao monstro – como se a música mainstream nunca tivesse abusado das referências ao médico e ao monstro.

Intitulada” Heavy Is the Head”, a sexta faixa do álbum trouxe a participação de Chris Cornell. Acostumados aos violinos e batidas bluegrass, os fãs talvez tenham sido pegos de surpresa com uma faixa eclética e pesada, que mistura teclados no pop anos 1980, com as distorções e baterias frenéticas encontradas em todos os álbuns do Soundgarden; em alguns versos, é possível também encontrar sintetizadores que acompanham um vocal claramente inspirado em “War Pigs”, do Black Sabbath. Se esse detalhe era um easter egg, felizes os que puderam encontrá-lo.
Mas se ela é a faixa seis, por que eu comecei por ela? Porque essa música representa todo o espírito do álbum. Jekyll + Hyde é uma miscelânea de sons, efeitos e estilos nunca antes presentes na obra do grupo, mas que mostra mais uma vez ser completo e cheio de cartas na manga.
Em outras faixas, como “Remedy”, é possível acompanhar efeitos e trilhas que parecem pertencer ao compacto d’O Rei Leão. Já em “Mango Tree”, com a participação de Sara Bareilles, a percussão, acompanhada dos metais, transportam o ouvinte à era Sinatra – ou um musical de Family Guy, protagonizado por Brian, Stewie e Meg.
Falar sobre música não é fácil. Ainda mais quando você não consegue dedicar parte da sua atenção a todos os estilos.
Em “Tomorrow Never Comes”, por exemplo, também temos a junção de um folk característico de Philip Philips, conduzido por uma batida a lá Avicii, mas com uma identidade que não permite em momento algum que você não perceba que se trata de Zac Brown Band.
Em Jekyll + Hyde, cada faixa representa a si mesma, sem estar necessariamente ligada à anterior; e o álbum foi uma agradável surpresa, abrindo muito bem janeiro e, no momento, essa retrospectiva. Mostrando um lado mais eclético e sensível, os músicos do Zac Brown Band saem do estigma do beat caipira, mostrando todo o repertório, inspirações e talento em um álbum único e bem aclamado pela crítica.

Um dos pontos mais fortes é justamente a quebra de estereótipo e a construção de uma trilha sonora que, ao mesmo tempo em que é construída pensada nos detalhes, parece um random de luxo, que agrada cada gosto mais exigente em uma longa viagem de carro.
A analisar só por esse cartão de boas-vindas, 2015 mostrou que apesar das crises, das brigas e dos escândalos, foi rico para a boa e velha música, que ainda não trocou os instrumentos pelo inorgânico das batidas produzidas em computador.