Na ficção científica televisiva, criar um “paraíso” costuma vir acompanhado de uma cláusula não escrita: toda utopia esconde um mecanismo de controle. Paradise, nova aposta da Hulu, que no Brasil assumiu o lugar da Star+ na plataforma da Disney+, conhece bem essa lógica — e a explora com competência, ainda que sem a ousadia necessária para ir além do esperado. A série estrelada por Sterling K. Brown (de This is Us) começa como um thriller envolvente, mas revela, aos poucos, uma estrutura cuidadosa demais para ser realmente arrebatadora.
Brown interpreta Xavier Collins, agente do Serviço Secreto que, após o assassinato do presidente Cal Bradford (James Marsden), é lançado no coração de uma conspiração ambientada em uma comunidade utópica chamada Paradise. É nele que a série encontra seu núcleo mais sólido: Brown combina intensidade e doçura, entregando uma atuação magnética que ancora a narrativa mesmo quando o roteiro hesita. A dinâmica entre seu personagem e Bradford — mistura de amizade, desconfiança e ressentimento — fornece uma tensão emocional que quase compensa a irregularidade estrutural.
E irregularidade há. A produção de Dan Fogelman, conhecido pelo melodrama calibrado de This Is Us, aposta em flashbacks para compor o mistério, mas o recurso, usado à exaustão, quebra o ritmo e esvazia parte da tensão. A direção de Glenn Ficarra e John Requa é eficiente, mas tão contida que parece temer se aproximar de um abismo criativo. A série prefere a segurança de uma elegância visual bem polida ao risco de uma identidade mais singular.
O universo de Paradise, com seus canais artificiais, pulseiras tecnológicas e silêncio controlado, tem potencial de sobra para discutir vigilância, poder e desigualdade. Mas essas ideias aparecem apenas na superfície, como se fossem cenografia conceitual e não motores dramáticos. É uma escolha curiosa: enquanto a trama se apoia na promessa de uma sociedade alternativa, o roteiro parece mais interessado nos dilemas pessoais de seus habitantes do que em explorar as engrenagens que sustentam essa utopia inquietante.
O universo de Paradise, com seus canais artificiais, pulseiras tecnológicas e silêncio controlado, tem potencial de sobra para discutir vigilância, poder e desigualdade. Mas essas ideias aparecem apenas na superfície.
Felizmente, o elenco secundário compensa parte dessas lacunas. Julianne Nicholson, no papel de uma bilionária influente, entrega nuances que vão da frieza calculada à vulnerabilidade controlada. Marsden, por sua vez, joga com ironia a imagem de galã plástico, criando um Bradford mais inseguro do que aparenta. Esses detalhes ajudam a manter a narrativa viva mesmo quando os adolescentes da subtrama parecem ter sido importados de Malhação.
No fundo, Paradise é o tipo de produção que parece mais projetada para provocar conversa do que para realmente surpreender. É elegante, bem atuada e cuidadosamente construída — mas também excessivamente controlada, quase asséptica. Não há falhas gritantes, apenas uma ausência sutil, porém decisiva: a coragem de mergulhar nas sombras do paraíso que criou. Para um thriller distópico, ironicamente, é como se nada realmente perigoso estivesse em jogo.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.






