Toda série pede ao seu público que ele assine um contrato. Este contrato exige certas coisas, como acreditar no que está sendo mostrado na tela, desde que a execução seja bem feita. É assim com This is Us. Você até percebe as armadilhas colocadas do roteiro, mas, sem aviso nenhum, já está completamente envolvido. E você até pode tentar conter as glândulas lacrimais de produzirem rios de lágrimas, mas, lamento informar, a tentativa será inútil.
A nova série da NBC, renovada para uma segunda temporada poucas horas depois da exibição do episódio piloto, tornou-se a queridinha do público e não é à toa. Se antes a televisão era um dos principais meios para o escapismo, hoje em dia temos produções tão absurdamente reais que as reproduções parecem intensificar o mal estar geral do mundo (o que não considero algo ruim). Porém, This is Us traz um escapismo clássico, mas de uma forma tão doce e inocente que a série parece te abraçar, te enrolar e te deixar quentinho. E faz tudo isso possibilitando que o público acesse sentimentos há muito tempo encalacrados no cínico modo de ver a vida. Assim, desde os delicados diálogos até os personagens cativantes, tudo funciona para que você se conecte fortemente com aquelas pessoas.
A série, criada por Dan Fogelman, acompanha a vida de diversos indivíduos que nasceram no mesmo dia. Jack e Rebecca (Milo Ventimiglia e Mandy More) são um lindo casal e futuros pais de gêmeos. Randal (Sterling K. Brown) é um ótimo marido, casado com Beth (Susan Kelechi) e pai de duas filhas. Randal está em busca de seu pai biológico, que o abandonou enquanto ainda era um bebê. Kevin (Justin Hartley) é um ator de Los Angeles com talento duvidoso, protagonista de uma péssima comédia na televisão chamada The Manny. Já sua irmã Kate (Chrissy Metz) é assistente pessoal do próprio Kevin e enfrenta uma luta contra a obesidade mórbida. Todos esses personagens estão conectados de alguma forma, mas você só entende isso no último segundo do episódio de estreia.
Com 10 episódios exibidos até o momento, This is Us é um alento na TV aberta. É ótimo ficarmos chocados com a dose absurda de realidade de Black Mirror ou a violência de The Walking Dead ou toda a magia de Game of Thrones, mas é também louvável quando conseguimos nos conectar com uma história simples, com personagens humanos e com enredos que despertam algo, seja tristeza, melancolia ou conforto. É quase como se a história estivesse te desarmando. Ela não quer te envergonhar ao mostrar seu lado mais podre, ela quer te acalmar mostrando o seu lado mais doce.
É também louvável quando conseguimos nos conectar com uma história simples, com personagens humanos e com enredos que despertam algo, seja tristeza, melancolia ou conforto.
Com uma audiência acima dos 12 milhões de espectadores por episódio, This is Us é um sucesso porque sabe lidar com sentimentos comuns de maneira muito sábia, utilizando ferramentas bastante inteligentes como uma trilha sonora cheia de indie e pop, sempre com muita suavidade, assim como uma fotografia que mais parece ter saído de algum filtro do Instagram. É comovente ver a interação daqueles personagens e como os roteiristas e diretores conseguem captar pequenos momentos da vida e dramatizá-los com naturalidade, como uma família toda abraçada na cama antes de dormir. Você já viu aquilo uma centena de vezes na televisão, mas nada soa repetitivo, forçado ou irreal.
E se a escalação do elenco é importante para qualquer produção, uma história que pretende falar sobre família e amor precisa se esforçar ainda mais. This is Us tem a presença de Sterling K. Brown, que encanta e impressiona da mesma forma que seu forte personagem em The People vs. OJ Simpson, Chrissy Metz é brilhante na construção de uma personagens com tantos complexos e até mesmo Milo Ventimiglia e Mandy Moore parece perfeitos para o papel (exceto, talvez, quando vemos uma versão mais velha de Moore). Todos esses personagens interagem naturalmente e não há dúvidas de nada do que vemos na tela.
Para entender que tipo de clima This is Us desperta em seu público, basta lembrar da naturalidade com que nos envolvemos com todos os personagens de Friday Night Lights ou o conforto que sentíamos ao assistir as primeiras temporadas de Brothers & Sisters, ou a estranha amizade que criamos com os adolescentes de My So-Called Life ou, ainda, toda a melancolia de Everwood. This is Us nos afeta porque mostra dramas íntimos e profundos por meio de conflitos internos que nos doem todos os dias. Assim, a série consegue discutir o valor de uma família (que não é a tradicional) até a chegada da morte. Quando This is Us é leve, nós rimos e nos sentimos acolhidos. Quando pende mais para o drama, nós não entendemos porque estamos chorando tanto.
Por isso, embora a série seja uma companhia muito agradável e acolhedora, não se engane. This is Us vai fazer você querer comprar alguns lenços de papel. E isso é lindo.