O longa-metragem Straight Outta Compton, em cartaz desde ontem no Brasil, é um filme que vai muito além de narrar a história de um grupo de rap ou mesmo um recorte de um momento na história da música mundial. O longa-metragem também apresenta o último período de tensão racial nos Estados Unidos antes dos recentes acontecimentos em Ferguson e em outras regiões do país. E é justamente essa a grande força de Straight Outta Compton.
Ambientado na Califórnia dos anos 1980, Straight Outta Compton conta a história da formação do grupo N.W.A., sigla para Niggaz Wit Attitudes (Negros com Atitude). Juntamente com o Public Enemy, o N.W.A. impulsionou a cena hip-hop que ganharia força quando a mídia (especialmente a MTV) passou a abraçar o gênero, a partir do início dos anos 2000, e influenciaria toda a música pop mundial.
Formado por Eazy-E, Dr. Dre, Ice Cube, DJ Yella, MC Ren e Arabian Prince, o grupo é um dos percursores do movimento gangsta rap, uma vertente do hip-hop com letras que pregam o hedonismo e muito marcada pelas letras de protesto, o que para alguns olhos era visto como uma exaltação à violência.
Straight Outta Compton se encarrega de apresentar todos os integrantes do grupo, narrando suas histórias com um certo distanciamento, o que transmite uma curiosa credibilidade ao filme. Desde o momento em que Eazy-E funda a Ruthless Records, em 1987, até o sucesso midiático alcançado com o segundo disco do N.W.A. – Straight Outta Compton, considerado uma das obras-primas do rap -, a película passa por momentos marcantes da história norte-americana, como o caso de Rodney King, um taxista negro espancado por quatro policiais em março de 1991. O caso, que foi registrado em vídeo por uma testemunha – algo raro em uma época tão menos vigilante como atualmente -, causou comoção e revolta por todo o país (principalmente após os policiais serem absolvidos) e serviu como combustível para muitas das composições do grupo.
É impossível dissociar a história da formação do N.W.A. (e mesmo do Public Enemy) dos problemas raciais nos Estados Unidos.
É verdade que há alguns problemas ritmo no filme, em parte causados por sua longa duração (2h24m), mas também por dissecar demais a trajetória de alguns dos personagens. As tensões existentes entre Dr. Dre, Ice Cube e Eazy-E, tomam um tempo considerável na trama, o que acaba deixando o filme um pouco moroso, e até roubando atenção do contexto histórico que, pode não parecer, é a principal estrela do filme.
É impossível dissociar a história da formação do N.W.A. (e mesmo do Public Enemy) dos problemas raciais nos Estados Unidos. A América ainda vive uma segregação e desigualdade alimentadas pelo racha existente entre brancos e negros, como, por exemplo, as diferentes composições raciais nos bairros norte-americanos, mesmo passados 50 anos desde que a Suprema Corte declarou inconstitucional as leis que os separavam.
Esqueça 8 Mile – Ruas das Ilusões. Straight Outta Compton não se esforça em oferecer entretenimento tendo o universo hip-hop como pano de fundo. Na realidade, o hip-hop é apresentado como um exercício político, uma tentativa de retratar os problemas do isolamento étnico e da desigualdade existente nas periferias norte-americanas. Não chega a ser tão potente como o francês O Ódio (La Haine, 1995), mas é um grande passo para o cinema hollywoodiano esse exercício de falar em voz alta, ou neste caso, na tela dos cinemas, seus mais cruéis problemas.
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