Por Isabella Lanave*, especial para A Escotilha
Quando saio pra rua observo pessoas. O jeito como elas andam, a maneira como sorriem, o seus olhares. Muitas vezes me encontro parada e concentrada em mundos que nunca mais vou encontrar. Olhando, imagino histórias de vida e traço futuros. Sem pressa, fotografo.
Acordei no sábado pela manhã com a programação do dia estabelecida, era o fim de semana da Corrente Cultural de Curitiba, evento que reúne todas as tribos no centro da cidade. E eu tinha uma missão: fotografar. O que eu quisesse, como eu preferisse e sem nenhuma restrição.
Pensei que seria muito fácil estar num evento que ocupa a cidade e buscar os momentos que me chamassem a atenção. Mas confesso que não sei até que ponto a liberdade é simples. Na verdade, a liberdade é desafiante.
Saí de casa já com minha câmera no pescoço. Decidi que usaria apenas a “pequena”, como eu gosto de chamar a minha Lumix GX7, uma mirroless que mudou a minha percepção das coisas. Hoje, sair sem ela não faz parte da minha rotina.
Logo quando cheguei ao Centro fui encontrar uns amigos no Museu Paranaense, lugar que vergonhosamente não sabia onde ficava. Quando cheguei, descobri que já conhecia o espaço, mas não como museu. No palco, estavam Os Irmãos Carrilho, uma dupla que não é sertaneja e aposta numa mistura com MPB que dá vontade de ficar escutando. E o figurino, então! Uma fineza que vai ficar na imaginação, pois, não me pergunte o porquê, eu não fotografei.
O show logo acabou e algumas cenas foram se formando na minha frente enquanto eu esperava os amigos que tinham entrado no museu. Antes eu também tinha entrado. Vi uma frase de Leminski, olhei algumas salas e saí. A vida, para mim, naquele momento, estava acontecendo lá fora. Foi lá que a moça da pipoca posava, com um pouco de vergonha, para a companheira do dia. Foi lá que a senhora tentava acompanhar o rapaz mais animado da festa. E foi lá que eu fiquei.
Logo já eram 16 horas e o ato “Fora Cunha”, contra a PL5069/2013, estava para começar na Praça Santos Andrade. E eu fui fotografar. No meio da corrente, com diversos shows acontecendo, não imaginava que juntaria tanta gente! Mas, sim, as mulheres ocuparam as ruas e saíram caminhando pedindo pela legalização do aborto e pela saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmera dos Deputados.
Ainda não sei o que essas manifestações trazem de resultado prático para a vida das pessoas, apesar de, claro, apoiá-las e compartilhar, muitas vezes, do mesmo posicionamento. Comecei a me envolver com a política e com o jornalismo voltado a causas e movimentos sociais há pouco tempo. Quatro anos atrás eu ainda achava que trabalhar no maior jornal do país seria o auge da minha carreira. Hoje, essa opção está bem longe.
Durante o ato, que acabou na Boca Maldita, adesivos “Fora Cunha” foram distribuídos. No fim da noite, podia encontra-los em casacos, bolsas, instrumentos e até na pele de artistas. Nessa hora, eu já estava com a adrenalina a mil. 300 fotos do protesto e o dedo pronto e engatilhado pra qualquer movimento que se acercasse.
E aqui vale uma observação. Descubro cada vez mais como a minha fotografia é calma. Eu não tenho pressa, nem corro atrás do clique perfeito. Espero. E o mundo vai se moldando dentro do meu frame, que às vezes é gravado e em outras, apenas mentalizado. Vivo, me divirto, mas sempre ligada e, principalmente, com a câmera ligada no pescoço. E isso não me atrapalha. Pelo contrário, me faz ter vontade de avançar e desbravar novas percepções.
O sábado acabou tarde. Com a cidade cheia o que não faltava eram amigos e bares para sair. Tinha planos de assistir o Emicida no domingo, mas o almoço com a família me fez desistir e ir para a Corrente apenas depois das 14 horas. Com pingos de chuva, encontrei conhecidos, assisti a alguns shows e aguardava uma companhia pra caminhar até (!) a Praça da Espanha, para ver o Naked Girls and Aeroplanes. Além das músicas serem lindas, fiquei curiosa para saber o que eu poderia encontrar por lá.
E confesso que foi, no mínimo, diferente. Enquanto as ruínas e a Boca Maldita exalavam suor, tubão e gente de todas as cores e amores, a praça encontrava-se elegante. Grama para quem tem pano, ou quem sabe um skate para sentar. Pouco som ao redor. O barulho mais forte foi o do show. Não fiz muitas fotos, principalmente quando levantei a câmera para um lado e um menino que estava do outro lado, disse, em tom alto e grosso: “Ow, não vai tirar foto minha aí não, hein!”.
Nessa hora, o céu já ficava escuro e em pouco tempo começava o show do Molungo. Fomos eu e um amigo, da Espanha até a Casa do Damasceno, passando pela Boca Maldita, na hora que Diogo Nogueira saía do palco. Diversas fãs abaixo de chuva torcendo por um olhar, uma foto ou, quem sabe, um autógrafo.
Foi na Casa do Damasceno que rolou o festival Ultravozes, organizado por músicos de Curitiba que ficaram de fora da programação oficial. Numa casa construída para ser um palco de teatro, os molungos fizeram o chão tremer. De Mais Agreste à batucada africana, foi, sem sombras de dúvidas, o melhor encerramento “não oficial” dessa Corrente.
E no pico da emoção, com a câmera pronta no pescoço, a luz colaborou e eu não poderia deixar de fotografar. Às vezes me pergunto por quê? Pra quê? Há aqueles que digam “para viver o momento”… E eu digo que vivo! Quando não tenho a possibilidade de fotografar, me sinto fraca, vazia, incapaz. Parece que o momento não está completo. Mesmo que depois a foto vire apenas mais uma das inúmeras lembranças de um segundo feliz.
Nessa experiência pude aprender que fotografar está muito mais dentro da gente do que em qualquer outro lugar. Os lugares e os momentos em que eu levantei a câmera, foram aqueles em que eu me diverti também. Ou que chorei, desejei e até aqueles em que me espelhei. Pra bem ou pra mal, vamos aprendendo que a fotografia é um reflexo de nós mesmos. Assim como tudo o que fazemos.
* Isabella Lanave é fotógrafa paranaense nascida em 1994, na cidade de Curitiba. Crescida em Itajaí – SC, descobriu o interesse pela fotografia em 2012, quando retornou à sua cidade natal para estudar jornalismo na PUCPR. Desde que iniciou na fotografia, pode experimentá-la em várias de suas vertentes, mas foi nos ensaios femininos e na fotografia documental, principalmente na rua, que encontrou seu caminho.