Por Anna Sens*, especial para A Escotilha
Projeto de Lei 5069/2013.
Esse é o número do Projeto de Lei (PL) que tem sido ouvido repetidas vezes pelos brasileiros nos últimos dias. Reeditado pelo presidente da câmara dos deputados, Eduardo Cunha (PMDB), o PL ainda não está aprovado – falta o parecer do Plenário da Câmara e do Senado para se concretizar. Essa é a esperança dos manifestantes responsáveis pelo movimento #ForaCunha, que, entre tantas pautas, abriga a feminista como carro-chefe. O PL viola direitos historicamente conquistados pelas mulheres, ao modificar a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Lei 12.845/13) para impedir que estas, quando grávidas, sejam orientadas por médicos, enfermeiros e farmacêuticos sobre o aborto, desde métodos anticonceptivos de emergência, como a pílula do dia seguinte, até o próprio procedimento, visto hoje como legal em casos de violência.
A modificação parte do pressuposto que tal indução seria um ato contra a vida, desconsiderando que abortos ilegais matam uma mulher a cada dois dias, segundo a Organização Mundial da Saúde. O PL também altera o entendimento do que é violência sexual, para levar em conta apenas os casos que resultem em danos psicológicos e/ou físicos na vítima e exige exame de corpo delito às mulheres que alegarem estupro antes que elas possam abrir boletim de ocorrência ou recorrerem ao médico.
Correndo o risco de validação, o burburinho contrário ao PL inclui outras pautas do deputado Eduardo Cunha, visto como representante de uma parcela conservadora do congresso, como a lei que criminaliza a heterofobia (PL 7382/2010) e o Estatuto da Família (PL 6583/2013). Ao longo da semana, diversas cidades se manifestaram através do #ForaCunha. Curitiba reuniu cerca de mil pessoas no último sábado (7) contra o PL 5069, mas o movimento não parou por aí.
Ocasionalmente, no dia seguinte (8), a Corrente Cultural encerraria sua programação com o show da Pitty no palco Boca Maldita, logo ali na XV de Novembro. Pitty é conhecida também por suas declarações a favor do feminismo em entrevistas e redes sociais, e os adeptos do #ForaCunha desejavam, de alguma forma, chamar a atenção da cantora para o movimento.
Pitty é conhecida também por suas declarações a favor do feminismo em entrevistas e redes sociais.
Assim, minutos antes do show, marcado para as 20h, adesivos #ForaCunha foram distribuídos livremente, além de um estandarte com a hashtag ter sido levantado em meio a multidão – cerca de 15 mil pessoas se concentraram na Boca Maldita para o show.
O jornalista Vinicius Nogueira Torresan, que segurava o estandarte, acredita que o ambiente era o mais propício possível para levar o ato. “A gente acredita que existem assuntos que não podem perder a oportunidade de serem debatidos”, afirma. “Essa é uma maneira de falar pro pessoal de pautas importantes que estão acontecendo na política brasileira”, explica Torresan, “e a gente tem recebido um retorno das pessoas”.
Uma das participantes do movimento, a psicóloga Renata Moraes, acredita que aproveitar os dias da Corrente Cultural foi uma forma de levar o ato para as ruas enquanto as pessoas a ocupam, ainda que para outros fins. “É importante falar sobre isso nesse espaço. Eu acho que não dá mais! O Cunha representa um setor muito problemático no governo, e além do PL 5069 existem muitas pautas absurdas”, comenta Moraes. “A gente precisa avançar no direito das mulheres, mas estamos retrocedendo. Chega!”, conclui.
Vozes tomaram o centro com as músicas de Pitty, como “Equalize”, “Me adora” e “Na sua estante”, entre tantas outras, e o show durou cerca de duas horas, simultâneo ao ato contra a PL 5069, a procura de influência para crescer. Entre uma batida e outra, Pitty declarou apoio às pessoas que estavam lutando na rua, além de afirmar que o show era “sobre vitalidade e respeito. Sobre saber respeitar o outro, mesmo que seja diferente” antes de cantar a música “Máscaras”. Assim, além das canções, vozes de protesto puderam ser ouvidas, elevadas e “equalizadas” – em prol de uma causa maior e em busca de soluções para um problema que precisa ser discutido.
* Anna Sens decidiu estudar jornalismo pois queria mostrar que pode existir poesia na prosa factual. Cá entre nós, ela tem absoluta certeza que nasceu pelo menos trinta anos antes do que consta em seu RG, estagnado no final dos anos 90. Ademais, só escuta música tupiniquim e não se alimenta de nada além de sacarose.