O tempo parece ser tema recorrente na filmografia de Noah Baumbach. O diretor costuma sempre abordar, de diferentes perspectivas, esse tão amplo assunto. Seja através da dificuldade de perseverar (A Lula e a Baleia, 2005), do reencontro com os fantasmas do passado (Margot e o Casamento, 2007), do medo da obsolescência pelo envelhecimento (O Solteirão, 2010), a indisposição ao crescimento (Frances Ha, 2012), ou pelo conflito com as novas gerações (Enquanto Somos Jovens, 2014). Em seu mais novo longa-metragem, a comédia Mistress America, Baumbach torna a abordar o tempo, desta vez sob a ótica da dificuldade em tornar-se adulto.
Mistress America é focado em duas quase meio-irmãs. A primeira delas é Tracy (Lola Kirke em marcante atuação), uma jovem caloura em uma universidade em Nova York. Solitária, ela tem extrema dificuldade em encaixar-se neste “mundinho universitário”. Entre a pressão por amadurecer e ganhar voz neste universo no qual foi inserida, e os novos desafios exigidos pela vida adulta, Tracy parece uma nota dissonante, perdida, perambulando em sua própria existência.
O possível ponto da virada de Tracy acontece a partir de seu encontro com Brooke Cardinas (Greta Gerwig, de Frances Ha, muito bem na atuação e como co-roteirista), a filha do homem com quem sua mãe irá se casar. Brooke é o extremo oposto de Tracy: segura, auto-confiante, sociável e com ares de garota popular. Sua intensidade logo faz com que a personagem de Lola Kirke a veja como inspiração, como um modelo de sucesso feminino. Como Tracy aspira tornar-se escritora, Brooke lhe serve, ainda, como modelo na montagem de um conto, com o qual pretende ingressar em um clube de escritores da universidade.
O roteiro de Greta Gerwig e Noah Baumbach vai no ponto nevrálgico de uma geração que exige de si mesma uma existência para além do ser.
O roteiro de Greta Gerwig e Noah Baumbach vai no ponto nevrálgico de uma geração que exige de si mesma uma existência para além do ser. A cobrança por protagonismo, que requer continuamente mais desdobramentos em variadas tarefas – cursos, trabalhos, viagens, relacionamentos, etc -, e não parece chegar a ponto algum, afinal, as expectativas são sempre maiores e inatingíveis, é trazida em Mistress America de forma até certo ponto cruel. O crescimento não é apresentado pela dupla como algo suave, mas, sim, como algo inevitável, que deve ser feito da maneira menos complicada possível.
Quando vistos de perto, os personagens do filme de Baumbach são todos falhos, limitados, imperfeitos para os padrões socialmente exigidos. Contudo, a máscara vestida por eles dá indícios do que foge da visão limitada de Tracy e Brooke, que agem como complemento uma a outra, criando uma harmonia pela co-existência em padrões humanamente possíveis.
A fotografia e a direção de arte do filme prestam uma homenagem ao colega Wes Anderson, com um uso de paleta de cores muito próximo da utilizada nos filmes do diretor texano. O talento de Baumbach ainda fica evidente no bom domínio sobre o elenco, retirando o máximo de cada um, mesmo os que ficam pouco tempo em cena. O toque nonsense, os diálogos rápidos e afiados e as sequências com muitas palhaçadas relembram as comédias screwball, protagonizadas por grande duplas femininas na Hollywood dos anos 1930. Mais um golaço do cineasta norte-americano.
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