Frankito em Chamas (editora Todavia, 2025), romance do escritor gaúcho Matheus Borges, impressiona de cara pelo fato de que escapa de um resumo preciso. Sua história gira em torno da produção de um filme – chamado “Aves Migrantes” – que está sendo rodado no Uruguai. O roteirista, um rapaz chamado Felipe, é convidado para ir até o local acompanhar as gravações.
A partir daí, várias cenas irão se desenvolver, a partir de uma estratégia narrativa focada em um personagem central (Felipe, que conta a história em primeira pessoa) que tem ares de coadjuvante. Dito isso, tudo que está no livro funciona (aí a grande sacada) como um filme: a “câmera” se cambia conforme outros sujeitos tomam o seu lugar em cena. Em um momento, entramos em contato com o passado do diretor; em outro, com a história de uma produtora em crise com sua identidade; e, em mais um, com o ator veterano que protagoniza “Aves Migrantes”, alguém que, aparentemente, seria tipo um Antônio Fagundes ou um Tony Ramos ficcional.
Até que, por fim, um sujeito encantador chega às páginas: um dublê uruguaio que é contratado para o filme para substituir o protagonista em cena. Com um passado glorioso como palhaço de circo, Frankito é um personagem sutilmente construído por Matheus Borges para provocar fascinação no leitor, o que de fato acontece. Suas histórias são todas impressionantes, mas ainda há algo que, na sua longa carreira, ele ainda não conseguiu fazer.
Essa tentativa de sinopse resume – e não resume – do que se trata Frankito em Chamas. Mas há algo que precisa ser dito aqui. O romance de Borges se destaca de boa parte da literatura contemporânea brasileira que tem pipocado nos últimos anos.
Quando o Uruguai encontra David Lynch

Em uma assumida generalização, algo que me incomoda na literatura recente lançada no Brasil é a tendência em abordar os mesmos temas. Há muitos livros sobre violência, masculinidades tóxicas, efeitos da pobreza, luto, busca pelo empoderamento feminino, e por aí vai. São todos temas válidos e necessários, é claro – o problema, creio eu, está na repetição, que provoca a sensação de poucas novidades.
Por isso, ler Frankito em Chamas foi um respiro. Como pode que esse livro trate de um tema de fundo (possivelmente, a solidão dos jovens adultos, uma vez que quase todos os personagens estão desamparados emocionalmente, e saíram de relacionamentos amorosos), mas, ao mesmo tempo, consiga enfatizar na ação em si?
O romance de Matheus Borges traz uma densidade emocional às personagens na mesma medida que se encanta pelos mistérios da arte.
O romance de Matheus Borges traz uma densidade emocional às personagens na mesma medida que se encanta pelos mistérios da arte. Há um deslumbre em relação ao cinema e pelas possibilidades que ele oferece para dar sentido à vida – o que se estende, por consequência, à literatura. “Rodar um filme é lutar contra a realidade, sempre tive essa impressão. É comprimir muito tempo num intervalo curtíssimo, é manipular as condições naturais de modo que não interfiram no tecido da ficção”, pontua o narrador Felipe.
E, de fato, Frankito em Chamas tira proveito dessas potencialidades poderosas do cinematográfico por meio de cortes bem feitos, em que o foco segue girando para personagens específicos. Tudo vai culminando para as cenas que envolvem Guilherme, o diretor de “Aves Migrantes”. Em uma viagem a São Paulo, os acasos o levam para as “demonstrações” (dizer mais que isso seria um spoiler desnecessário), um mistério que o aproxima à caixa azul em Mulholland Drive.
Tal como na obra-prima de David Lynch, estamos aqui diante de um dispositivo narrativo que eleva Frankito em Chamas a um novo patamar, aproximando-o do surrealismo (não por acaso, Jorge Luis Borges também é lembrado) e amarrando de forma imprevista as pontas levantadas pela trama de Matheus Borges. Tudo isso faz com que esse romance gaúcho se apresente como uma das obras mais surpreendentes que li nos últimos tempos.
FRANKITO EM CHAMAS | Matheus Borges
Editora: Todavia;
Tamanho: 180 págs.;
Lançamento: Julho, 2025.
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