Epifania. Uma palavra difícil de explicar, porque existe no universo bastante vasto, senão infinito, da subjetividade. Mas, na tentativa de trocar seu significado em miúdos, dando-lhe alguma
banalidade, diria que é uma espécie de lâmpada que se acende, como em um velho desenho animado. Resultado de sinapses incontroláveis, de estímulos os mais diversos, e também condicionada ao momento e ao lugar exato em que você esteja, ela acontece. Aparentemente do nada. Um arrepio que vai da pele à alma, ou vice-versa, em um segundo.
Estava na fila do banco quando fui atingido por um desses raios existenciais fortuitos que, estou convencido, caem a esmo, sem lógica aparente.
Conformado com uma espera de pelo menos meia hora, já que havia 30 senhas à frente da minha, fiquei ali. Olhos fixos no painel eletrônico, como se eu fosse, pela força do pensamento, capaz de fazer minha vez chegar mais rápido – por que não havia trazido um livro, que seria bem mais eficaz do que a vontade de driblar os minutos?
Para minha surpresa, a enorme onda de tédio que se levantou no horizonte daquele dia aos poucos foi cedendo lugar a uma sensação doce, bem menos vertical, de aceitação.
Se eu desejava sair dali com a fatura paga, tinha de esperar. E nada poderia fazer para evitá-lo.
Se eu desejava sair dali com a fatura paga, tinha de esperar. E nada poderia fazer para evitá-lo. Essa constatação, a da inevitabilidade de minha condição, por mais desimportante e prosaica que fosse, aos poucos foi substituindo o misto de impaciência e frustração que começava a ebulir em mim. E me dei conta de que aquela era apenas mais uma entre tantas esperas. Contas de um infinito colar, que nos é presenteado quando tomamos consciência da própria existência, e do qual jamais nos livramos.
“Quem não espera nunca alcança”, lembro minha avó a falar quando eu, irritado, a desafiava, sem compreender o que ela pretendia dizer, à minha pressa de viver, com esse ditado batido, transmitido há gerações. Um entre muitos lugares-comuns absorvidos pela sabedoria compartilhada, e que só passam a fazer sentido quando traduzidos em experiência.
Na vida, esperamos. Isso é fato consumado. Pela hora de ficarmos adultos até o momento em que começamos a olhar pelo retrovisor, com uma ponta de nostalgia, e intuímos que, talvez, tenhamos acelerado muito o passo para chegar a uma festa que, no fim das contas, nem é tão animada assim.
Também ansiamos pela verticalidade arrebatadora de paixões que nos tirem da rota, e nos arranquem, sem dó, a dura casca das certezas e nos ponha perigosamente vivos. Mas, da mesma forma, aguardamos o acalanto do amor tranquilo, que nos proteja das intempéries e nos garanta a sanidade diante de um mundo que desafia a razão o tempo todo.
Esperamos por aquela conversa que nunca acontecerá, seguida de um abraço infinito, cuja lembrança já se esfacela no correr dos dias, como se nunca tivesse acontecido. Vestígios de pessoas importantes, referenciais até, perdidas ao longo do caminho, por um motivo ou outro, sem explicações precisas. Vivemos, enfim, enquanto esperamos chamarem a nossa senha. Ou que a tal lâmpada epifânica se acenda e, naquele instante, tudo faça sentido.