Entre as muitas sucursais do inferno abrigadas pelo nosso Brasil está o Colônia, fundado em 1903 em Barbacena, Minas Gerais. Deveria ser um hospital psiquiátrico, mas o que aconteceu por lá foi superlotação, descaso, irregularidades e outros acontecimentos banalizados e ainda vistos ao se deparar com hospitais, postos de atendimento e demais locais onde teoricamente a saúde deveria ser cuidada. Some-se um agravante: nem todos seus internos eram doentes. O livro-reportagem Holocausto Brasileiro (2013, Geração Editorial; 2019, Intrínseca), de Daniela Arbex, conta a história tenebrosa desse lugar.
Após diagnóstico, qualquer pessoa com um problema mental era enviada ao Colônia, embora nem sempre houvesse precisão nos diagnósticos – especialmente no Brasil da primeira metade do século passado. Mas o Colônia recebeu muitos sãos, como pessoas abandonadas por suas famílias, gente falsamente vista como doente, e muitos “indesejados” daquele período, de alcoólatras a mendigos, homossexuais a mães solteiras, compondo a estatística de que cerca de 70% dos internados sequer deveria estar lá.
O quarto capítulo do livro detalha a venda de cadáveres do hospital e questiona sua legitimidade e origem, além de escancarar outros aspectos da administração precária do hospital.
O tratamento abandonava os internos à própria morte, desde a anulação de qualquer vestígio de identidade, devido à precariedade de registros, e também pela aparência padronizada deles, com cabelos raspados e a desnutrição estampados na face, além dos uniformes que não os protegiam do clima – quando havia uniformes. Havia também um tratamento à base de eletrochoque para “acalmar” alguns internos, e às vezes recrutavam-se pacientes menos “nervosos” para segurar alguém (supostamente) descontrolado enquanto a equipe responsável pelos cuidados médicos amansava o indivíduo.
Como se esses fatos não bastassem, nem após a morte os internos tinham descanso. O quarto capítulo do livro detalha a venda de cadáveres do hospital e questiona sua legitimidade e origem, além de escancarar outros aspectos da administração precária do hospital. Outros capítulos descrevem a passagem de ex-funcionários pelo Colônia e de ex-internos e o que conseguiram fazer de suas vidas; além de breves incursões na investigação sobre o hospital cujo resultado é esse livro, incluindo a espera de respostas na apuração das informações, e a busca por quem o registrou em reportagens antigas.
Difícil destacar uma informação entre as histórias contadas no Holocausto Brasileiro, cujas palavras e fotos dimensionam o quanto se destratou e descartou pessoas como se fossem menos do que coisas, compondo um relato doloroso de uma parcela da nossa história.
HOLOCAUSTO BRASILEIRO | Daniela Arbex
Editora: Intrínseca;
Tamanho: 280 págs.;
Lançamento: Março, 2019 (atual edição).
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