O Paraná costuma frequentar a lista de selecionados do Festival do Rio e não será diferente na edição 2016, a 18ª do evento. Na última semana o Festival divulgou a seleção de filmes da Première Brasil, trazendo 35 longas e 13 curtas brasileiros, todos competindo pela preferência do público, que é o responsável pela escolha do melhor filme nas categorias ficção, documentário e curta através de voto popular, enquanto um júri especial elege os vencedores do Troféu Redentor.
O curta metragem curitibano O Estacionamento, de William Biagioli, compete na mostra de curtas, sendo o único representante paranaense nesta edição do Festival. Rodado em Curitiba, o curta conta a história de Jean, um imigrante haitiano que arruma emprego em um estacionamento para carros no centro da cidade e passa a viver lá dentro. Com o passar do tempo, Jean começa a perceber que alguma coisa estranha acontece naquele lugar. “O Estacionamento é o desejo de falar sobre muitas coisas”, afirma Biagioli em entrevista concedida ao portal. “Como filme, era o desejo profundo de uma aproximação com o universo do suspense”.
‘O Estacionamento é o desejo de falar sobre muitas coisas. Como filme, era o desejo profundo de uma aproximação com o universo do suspense.’
William rodou o filme com um elenco formado por não-atores, quase todos com nenhuma experiência prévia, uma tentativa de trazer “uma camada de compreensão para o filme”. Este é o segundo trabalho de Biagioli, sucedendo o curta-metragem Curitiba: a maior e melhor cidade do mundo, com o qual o diretor ganhou prêmios no 16º Festival de Cinema de Londrina – Kinoarte e no FRAPA – Festival do Roteiro Audiovisual de Porto Alegre.
Para a realização de O Estacionamento, William Biagioli e equipe contaram com financiamento do Fundo Municipal de Cultura. “O filme foi um dos três ganhadores na categoria iniciante”, conta o diretor, que faz questão de expressar o descontentamento com os processos que envolvem as leis de incentivo da cidade. “É bom deixar expresso o descontentamento com a falta de continuidade do edital, pois esse tipo de investimento é tão pequeno para o Estado e traz grandes benefícios para a cadeia do audiovisual” afirma.
Com mais dois curtas-metragens em desenvolvimento, William quer poder finalizá-los antes de partir para a realização de um longa-metragem. “De qualquer modo, como todo ex-Big Brother, estamos abertos a qualquer possibilidade e os convites não param de chegar”, finaliza.
O Festival do Rio acontece este ano de 06 a 16 de outubro. A adaptação de O Filho Eterno, obra marcante de Cristovão Tezza, também foi selecionada. Você pode ver mais informações a respeito no site oficial. Confira a seguir a íntegra do papo com o diretor.
Escotilha » Conta um pouco do projeto. O que é? Como surgiu a ideia?
William Biagioli » O Estacionamento é um curta-metragem que conta a história de Jean, um imigrante haitiano que arruma emprego em um estacionamento para carros no centro da cidade de Curitiba e passa a viver lá dentro também. Com o passar do tempo, Jean começa a perceber que alguma coisa muito estranha acontece naquele lugar.
O Estacionamento é o desejo de falar sobre muitas coisas. Como filme, era o desejo profundo de uma aproximação com o universo do suspense, portanto que, sim, é um filme de gênero. Havia também uma busca mais rigorosa tanto na construção das cenas, como também no trabalho com os atores. Quer dizer, no trabalho com os não-atores. Todo o elenco foi formado por pessoas que não tinham nenhuma, ou quase nenhuma experiência prévia anteriormente. E para mim, mais do que uma vontade, era uma convicção de que traria uma outra camada de compreensão para o filme. E por último e mais importante, pelo menos para mim, tratar a história dos imigrantes haitianos por um viés mais humano. Tentar emprestar um pouco do tempo do filme para que esse jogo de espelhos consiga, de alguma forma, e talvez aí seja pretensão demais enquanto o realizador de um curta-metragem, naturalmente, mas que seja possível que as pessoas assistam e pelo menos parem para refletir sobre os seres humanos que, mediante as mais variadas situações adversas, buscam o nosso país para reconstruírem suas vidas. Isso para mim era o aspecto mais importante a ser trabalhado.
Esse é teu primeiro trabalho em uma mostra competitiva?
Na realidade não. O curta-metragem anterior, Curitiba: a maior e melhor cidade do mundo, já havia sido exibido nas mostras competitivas de alguns festivais. Com ele ganhei prêmios no 16º Festival de Cinema de Londrina – Kinoarte e também no FRAPA – Festival do Roteiro Audiovisual de Porto Alegre.
O filme contou com leis de incentivo? Se sim, quais? Se não, como o projeto foi financiado?
Sim, o filme foi um dos três ganhadores do Fundo Municipal de Cultura na categoria iniciante. Acho que não custa aqui deixar registrado que houve apenas uma edição deste edital e a ideia era que quatro curtas fossem realizados. Fomos três. Um acabou ficando de fora por questões burocráticas no processo de abertura da conta no banco. De qualquer modo, é bom deixar expresso o descontentamento com a falta de continuidade do edital pois esse tipo de investimento é tão pequeno para o Estado e traz grandes benefícios para a cadeia do audiovisual, uma vez que os estímulos para a produção de curtas tem sido cada vez menor e é necessário que novos realizadores façam seus filmes.
O Festival do Rio é nosso principal festival. O Aly [Muritiba, Para Minha Amada Morta] já passou por ali, a Larissa [Figueiredo, O Touro], a Joana [Nin, Cativas – Presas pelo Coração]. De modo muito particular, o que representa para você ter o projeto selecionado de cara lá?
Rapaz… foi uma notícia e tanto! Eu torço para que tenhamos uma ótima exibição para que as pessoas possam ver na tela o talento de tanta gente que se esforçou para que o filme acontecesse. E é sério. Muita gente boa mesmo se dedicou a esse projeto ganhando pouquíssimo ou quase nada. E passar num festival dessa dimensão acaba sendo uma belíssima forma de retribuição a tudo o que esses profissionais fizeram.
‘Muitos temem pela continuidade das políticas de incentivo ao cinema que impulsionaram a produção nos últimos anos. Eu reluto em pensar nisso, pois medo é tudo o que eles querem que a gente sinta.’
O cenário político atual jogou uma nuvem na cultura, inclusive no audiovisual. Enquanto produtor, hoje, quais os principais obstáculos para se produzir um filme no Brasil, principalmente estando fora do eixo RJ-SP?
É um cenário incerto e golpista. Ou seja: o pior dos cenários. Muitos temem pela continuidade das políticas de incentivo ao cinema que impulsionaram a produção nos últimos anos. Eu reluto em pensar nisso, pois medo é tudo o que eles querem que a gente sinta. E eu não sou de Temer. Temer jamais, para que fique claro.
De maneira que tudo isso gera uma imensa incerteza, mas, ao mesmo tempo, uma grande motivação para que mais e mais filmes sejam produzidos.
Esse episódio recente do boicote ao magistral filme de Kleber Mendonça Filho – Aquarius – reflete um pouco ainda do poder de concentração que o cinema tem. De mexer com as pessoas. De propor e causar o debate. Essa possibilidade, que estava um pouco adormecida, talvez tenha sido despertada. E o que tem de golpista aí que foi assistir ao filme, saiu com os olhos cheios de lágrimas e não encontrou nem uma folhinha da Veja para chorar não tá escrito, viu?
Você pretende – se já não o fez – inscrever o filme em outros festivais? Quais?
Sim, com toda certeza! Quero exibir esse filme nos mais variados lugares. Já existem algumas outras seleções em outros festivais muito legais, mas que não podemos revelar. Um sonho é exibir esse filme no Haiti. Isso para mim seria o ponto máximo dessa jornada. E também tenho um sonho de exibí-lo no Olhar de Cinema, mas tenho a impressão de que o filme não seria selecionado. Talvez se eu mandasse para aquela sessão do Clássicos.
Quais teus próximos planos, tanto em relação a esse projeto quanto a projetos futuros?
Tenho mais dois curtas-metragens que gostaria de filmar antes de partir para um longa-metragem. Os projetos de longa também estão em desenvolvimento. Tem um que trabalho alguns anos que se chama Os cães calam e o diabo passa: a jornada assassina de Anacleto Vargem, que é baseado no livro de um escritor chamado Ângelo Stroparo, e o outro projeto de longa-metragem parte de um argumento original que estou escrevendo com o cineasta Bruno Costa e com o roteirista Valdelis Gubiã Antunes chamado, por enquanto, Nem toda história de amor acaba em morte. De qualquer modo, como todo ex-Big Brother, estamos abertos a qualquer possibilidade e os convites não param de chegar.
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