De Norte a Sul, o Brasil cabe na música. Essa é a principal certeza que fica de sOLa, primeiro trabalho de Luana Godin. Cantora, compositora, musicista, atriz, professora teatral e de canto, ela é multifacetada na vida e multifacetada na música. Repleta de referências que resgatam um Brasil que parece se distanciar de suas raízes regionais, o disco de Luana nos faz mergulhar em sonoridades tão tipicamente brasileiras que serve, em alguma medida, como um resgate de nossa própria identidade.
As nove canções que compõem seu primeiro trabalho representam recortes de sua personalidade enquanto música. Participam da gravação de sOLa o baixista Maurício Escher, o guitarrista Anderson de Lima, o baterista Thales Lemos e Paula Back com sua zabumba. A trombonista Fernanda Cordeiro participa nas faixas “Cruzeiro do Sul” e “Novos Humanos”.
Recusar que haja uma veia inventiva por conta de seu resgate referencial soaria injusto. A cantora estabelece um caleidoscópio onde cada fragmento nos oferece uma nova e gratificante experiência. É como se Godin mastigasse a cultura por si consumida e a trouxesse à tona revisitada. Curiosamente, uma das faixas de sOLa chama-se “Antropofagia Cultural”.
Com maturidade forjada nos nove anos dedicados ao grupo Samba de Saia, do qual foi integrante, domina diferentes ritmos sem tropeçar na cacofonia, e vai além.
De Oswald e seu Manifesto Antropofágico, Luana nos traz a possibilidade de uma aproximação entre os diversos brasis que compõem nossa identidade cultural. Com maturidade forjada nos nove anos dedicados ao grupo Samba de Saia, do qual foi integrante, domina diferentes ritmos sem tropeçar na cacofonia, e vai além. Absorve os diferentes perfis dos músicos com os quais trabalha, cativando o ouvinte com uma MPB que consegue ser contemporânea e, por isso, acessível a todos, porém, nunca subestimando o público.
Prova disso fica no jogo de palavras e nos enredos literário do álbum. “Qual é a dimensão, dessa janela sem curtina, sem ventilação? Onde construo minha persona com fotos e mais imagens desfazendo o meu presente no formato dessas mensagens”, canta Luana em “Novos Humanos”, faixa que abre sOLa. Em “Antropofagia Cultural”, o baixo de Escher determina a atmosfera para que Godin destile verbos, substantivos e consoantes sob uma camada de riffs secos. “Sou o encontro de todas as cores, amores ancestrais. A minha maior lembrança, a minha maior herança é poder me misturar”.
E no espírito da mistura, a bagunça organizada que a cantora maringaense protagoniza em sua estreia, que “Maçã do Amor” faz suingue cadenciado. “Quando não te olho nos olhos incomoda no peito um choro guardado, um grito escondido no fundo do vidro”. Luana incorpora o drama e a melancolia de Dolores Duran e Maysa e fusiona com o blues-rock do Barão Vermelho e de Cazuza. E nesse ambiente encontramos uma artista que se desscobre plural, dona do mundo e dele avalista.
“Me Falta” encerra no ritmo dos Novos Paulistas, usando os arranjos para proporcionar uma nova roupagem à MPB, uma essência de Tulipa Ruiz na nossa primeira e única Luana Godin. Um golaço no primeiro toque na bola. Para um 2016 tão complicado, a música paranaense segue impecável.