Se para muitos de nós as palavras são meros recursos práticos de comunicação, ou itens admirados cujo uso requer algum esforço para se expressar melhor, para outros elas são apenas brinquedos. A seleta de crônicas Sonhos Rebobinados (Arquipélago, 2014), de Humberto Werneck, dá a impressão de que o autor passa o tempo todo brincando com palavras, como se elas fossem suas peças de Lego.
Há frases comuns, pequenos clichês usados de propósito de acordo com a crônica, uma instrução falsamente seguida de acordo com um manual, sem vulgarizar o conteúdo do texto. É quase uma isca para fazer de conta que o clichê está ali como realmente é.
E há um sem-número de construções como as peças de Lego. Suas formas parecem – e são – comuns, mas o uso delas não. São jogos de palavras criativos, o cronista “só” buscou formas próprias para suas palavras, fazendo delas tão condutoras de um passeio quanto algumas de suas histórias.
As crônicas estão no que Werneck considera uma ordem afetiva, em vez de mera disposição cronológica.
As crônicas estão no que Werneck considera uma ordem afetiva, em vez de mera disposição cronológica. Podemos considerar também uma sequência temática, de pessoas específicas a sentimentos, vícios, lugares, memórias, trabalhos, descobertas, manias; todas (re)lembradas pela crônica como um filme rebobinado em câmera lenta, sem a pressa de consumir a informação e com o luxo de poder prestar atenção aos detalhes das cenas – no caso das crônicas, às peças de suas construções, pilares das sensações que ajudam a provocar durante a leitura.
É nítido o conhecimento de expressões e palavras hoje antigas do autor, mas isso não soa forçado, pois Werneck é cuidado no emprego que decide dar às palavras e suas crônicas podem ser lidas como uma brincadeira estética, entregando o relaxamento possibilitado pela crônica àqueles que (também) buscam isso no gênero, e uma dose generosa de espontaneidade formal aos interessados na construção do texto.
À maneira de antecessores textuais associados ao gênero (é fácil imaginar uma conversa entre Werneck e Carlos Drummond de Andrade, também hábil cronista de jornal), as crônicas do autor têm um tom despretensioso, desses que soltam um assunto por ser a ideia da vez e deixam qualquer conclusão por conta de quem lê, sem buscar verdades ou instruções. Sonhos Rebobinados reúne material publicado no jornal O Estado de S. Paulo entre 2010 e 2013, e o cronista continua em atividade no Estadão a cata de novas peças, seja para rebobinar fatos ou avançar nos sonhos, chamando mais gente para brincar de Lego.
SONHOS REBOBINADOS | Humberto Werneck
Editora: Arquipélago Editorial
Tamanho: 232 págs.;
Lançamento: Maio, 2014.