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A sonata dos desesperados

porBruno Zambelli
26 de janeiro de 2017
em Teatro
A A
tempo teatro artes cênicas

Foto: Reprodução.

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Em um vale perdido, nas encostas da lembrança, havia um tempo de sorrisos imprecisos. Uma vasta gama de minúsculos sonhos construídos, uma espécie de reino multicolorido onde um garoto perdido aprendia a fazer versos enquanto costurava contra o vento, sem saber, a colcha de suas memórias. Feito arquiteto premiado, levantava devaneios e implodia pecados, o tal menino. E às escondidas, no quarto pálido e quieto, atentava contra o tempo o pobrezinho.

Corria as mãos pelos ares: mordia, grunhia, sofria. Queria matar o tempo que lhe matava. Havia de devorar o tempo que lhe comia pelas beiradas. Alcançaria de qualquer forma esse indigesto maratonista. Não podia!

Na tentativa de alcançar o tempo, não via o pequenino que era o próprio tempo que lhe escorria pelos dedos. E como as louras cabeças das ondas que no infinito bailam ocas, não reparava o garoto que sua própria existência, por pura teimosia, era agora refém do tempo por conta dessa mania. E parou, feito Carolina, numa janela vazia. E apodreceu ali, parado na beira da vida.

Sem saber bem o motivo, o menino indagava, porque quanto mais ele tentasse vencer o tempo, mais o tempo se afastava. Ninguém o explicava. Desiludido e sem jeito, ele não viu outra saída: o jeito foi esperar. Pois, sem poder alcançar o tempo, esperava que ao menos uma hora o maldito se cansasse. E resolveu esperar ali, sentado, que o tempo um dia parasse. E pode viver bem, morando em uma pintura. Levando a vida de maneira estática. Paralisou na face um falso sorriso, e no coração decidiu forjar a felicidade. Amanhecia em cores, entardecia em pinceladas. E à noite, no branco da tela, desenhava os lábios do tempo.

Criou para si a república dos quadros, onde se exibia diariamente, em troca do dinheiro dos capas pretas: os homens que compram e vendem o nosso tempo. Tempo é preciosidade, é liberdade, é tesouro. Mas também é obsessão, é desespero, é pouco. Perseguimos o tempo na ânsia de detê-lo, na esperança de um dia tê-lo por inteiro a nosso dispor. Se na vida tempo é busca, no teatro é precisão. E o tempo no teatro me arremessa, inevitavelmente, ao passado. Mais especificamente para os grossos aros, tortos, dos óculos de um mestre do tempo: um professor de improvisação.

‘O grande ator é aquele que sabe domar o tempo a ponto de fazer dele um talento próprio.’

De metrônomo em mãos, com uma fala mansa, o professor nos explicava a importância do tempo no teatro. O tempo do gesto, o tempo das falas, das piadas; o tempo que rege o espetáculo que se desenrola no palco. Segundo o mestre: “o tempo é o grande vilão e o grande herói de todo espetáculo. A forma como cada gesto se reproduz nos segundos de sua execução. A pausa. O tal timing de comédia, que é construído cirurgicamente. É absolutamente tudo no teatro. Um grande ator não precisa saber chorar, cantar ou sapatear. Não. O grande ator é aquele que sabe domar o tempo a ponto de fazer dele um talento próprio. A calma de quem detém o tempo no palco é completamente perceptível, e perto desse ator o resto do elenco, se não empunhar seus chicotes contra a ampulheta, parecerá um coral perdido, emudecido, representando a sonata dos desesperados”.

Não sei ao certo o motivo da frase do velho ter o efeito de um furacão em mim. De início, um jovem aprendiz anota tudo aquilo que lhe convém, é natural, mas de alguma forma essas palavras significaram algo mais, a ponto de eu copiá-las sistematicamente na primeira página de minha agenda todos os anos, ao lado da máxima de Roberto Freire: “nada é tão contagiante como o gosto pela liberdade”.

Hoje, penso que o querido mestre não falava apenas de teatro, mas sim da própria vida. Assim como no palco, é preciso que saibamos domar o tempo para levar a vida adiante. Assim como em um espetáculo, precisamos aproveitar cada brecha do tempo, na esperança de que ele um dia ainda se esqueça de correr e pare nem que seja por um mísero momento. Quem sabe nesse segundo, frente a frente com a sua estática figura, não possamos reconhecer em seus olhos o sorriso daquele menino que ainda aguarda sozinho na beira de uma janela. Ele deve sorrir com calma, como sorriem aqueles que sabem que toda espera é valiosa para quem não tem pra onde ir. O tempo deve sorrir de volta, e então retomar sua corrida frenética. Ao garoto, depois do encontro, só restará unir-se novamente ao coro e entoar essa eterna sonata regida pelo desespero.

Tags: Artes CênicasCrítica TeatralTeatrotempo

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