A relação com meu cachorro é algo parental. Não que a relação entre cachorros e seus donos não o seja costumeiramente. Entre nós existe um acordo tácito de viver para proteger um ao outro. Conversamos, ainda que nossos diálogos estejam escondidos em olhares, afagos, fotos e na limpeza de seus excrementos.
Por vezes, a irracionalidade dele parece somente um fator biológico pouco aparente, tamanha a sensibilidade e o carinho com que amansa os dias brutos, cinzas e frios de Curitiba. Sem muito direito a opiniões sobre as decisões de nossa vida humana, que o afetam de maneira ímpar, é nas atitudes que não compreendemos que deixa claro a existência de uma indisposição com sua situação.
Estressado, sobrevive sem emitir um único latido a, para ele, incoerente mudança de lar. Forçadamente, os cheiros aos quais estava acostumado, os lugares onde o sol melhor reinava nas horas de seu banho vespertino de vitamina D, os carinhos dos rostos já conhecidos, tudo muda, tudo some, mas ele segue lá, semi-impassível.
Entre nós existe um acordo tácito de viver para proteger um ao outro. Conversamos, ainda que nossos diálogos estejam escondidos em olhares, afagos, fotos e na limpeza de seus excrementos.
Embebido em sonhos, seu olhar às vezes parece indecifrável, um diálogo que se estabelece nas entrelinhas de nossa relação silenciosa, sem palavras, sem rosnados, apenas pelos que espalham-se pelos ângulos retos do apartamento de pouco mais de oitenta metros quadrados.
Na euforia de um passeio, anunciado pelo tilintar do fecho da coleira preta com desenho de patinhas azuis, vermelhas e amarelas, encontra um pouco de agito para sua paz cotidiana. Os postes, rodas, árvores, todos passam a ser uma espécie de terapia de descarrego, onde ele, pequeno diante da imensidão das construções que o cercam, encontra refúgio para o tédio da cidade grande, que só aparenta oferecer mais, quando na realidade disfarça de opções a febre da mesmice que abraça a alma de todos nós, habitantes destas cidades modernas e (não) projetadas para o futuro.
Ele dorme, boa parte do tempo, alheio às nossas decisões, sem saber se em algum momento um novo passo nosso desmanchará a segurança e o conforto da vida pacata que ele hoje tem. E em uma próxima vez, ele sofrerá, calado, emitindo apenas gritos silenciosos. E aí, nós é que sofreremos, porque é assim. Uma relação algo parental. Um acordo tácito de viver para proteger um ao outro.