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‘Trainspotting’: quando o futuro apodreceu

'Trainspotting', de Irvine Welsh, é contundente retrato de uma geração de jovens esmagada pela pobreza e pela violência de uma sociedade apática e alienada.

porEder Alex
1 de fevereiro de 2017
em Literatura
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Trainspotting irvine welsh

Irvine Welsh. Foto: Ulf Andersen / Getty Images.

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A expressão “trainspotting” é um gíria escocesa que significa basicamente “perder tempo com alguma atividade sem sentido”. Os jovens desajustados que povoam as páginas da obra de Irvine Welsh levam este termo bastante a sério e tratam de ocupar o tempo de suas vidas vazias com algo que os façam esquecer o fato de que aparentemente nada em suas existências miseráveis tem alguma importância.

Quando foi levada para o cinema pelas mãos de Danny Boyle, a história ganhou ares de cult, o estilo modernoso de Boyle se tornou icônico e marca até hoje, 20 anos depois, a memória de muita gente (é difícil esquecer as correrias pelas ruas de Edimburgo, o mergulho no vaso sanitário ou o bebê engatinhando no teto, por exemplo).

O caso é que, ao imprimir a sua assinatura, Danny Boyle insere uma estética muito própria e um tipo de humor bem específico. O filme é a visão dele (traduzida pela técnica) a respeito da obra original. Trata-se de uma perspectiva muito interessante, mas que está um pouco distante daquilo que se vê no livro. O enredo pode até ser semelhante, mas o tom é muito mais cru e hardcore por escrito.

Lançado aqui no Brasil pela editora Rocco, com tradução ilustre de Daniel Galera e Daniel Pelizzari, Trainspotting é uma bordoada na cara de qualquer um, até de quem já viu o filme.

A história, ou talvez seja melhor dizer “as histórias”, são contadas de maneira não muito linear, praticamente em forma de contos e com vários narradores/focos narrativos, que vão se alternando entre os amigos Renton, Spud, Sick Boy, Begbie, Segundo Lugar e Madre Superiora. Tudo ocorre nas periferias de Edimburgo, um lugar povoado por traficantes, prostitutas, viciados, bêbados e mendigos. Não há muitas luminosidade por ali, tudo parece ter cor de imundície. É um universo que fede a mijo, vômito e desesperança.

Trainspotting se tornou uma obra cultuada pelo seu conteúdo, seu discurso contundente, pela voz que ecoa e fala o peito de gerações e gerações de jovens descontentes com a sociedade apática em que vivem.

Embora o humor apareça aqui e ali de forma até mesmo hilária e geralmente associada à escatologia, nesta primeira parte (Trainspotting é o primeiro livro sobre esses malucos, depois vieram Porno e Skagboys) impera uma amargura, um ressentimento com o mundo e uma sensação de desnorteio que só são aliviados com as drogas:

“Não sei muito bem, Tommy, não sei mesmo. É como se fizesse as coisas ficarem mais reais pra gente. A vida é entediante e fútil. A gente começa com altas expectativas, depois descarta todas elas. Percebemos que vamos todos morrer sem descobrir as grandes respostas. A gente desenvolve todas as ideias enfadonhas e intermináveis que só interpretam a realidade das nossas vidas de diferentes maneiras, sem na verdade aumentar o nosso conjunto de conhecimento válido sobre as coisas importantes, as coisas reais. Basicamente, a gente vive uma vida curta e decepcionante; depois a gente morre. A gente enche a vida de merda, de coisas como carreiras e relacionamentos, pra ficar livres da ideia de que tudo é inútil. A heroína é uma droga honesta, porque arranca fora essas ilusões. Com a heroína, quando cê se sente bem, cê se sente imortal. Quando cê se sente mal, ela intensifica a merda que já tá ali. É a única droga realmente honesta. Não altera sua consciência. Só te dá um soco e uma sensação de bem-estar. Depois disso, cê vê a desgraça do mundo como ela é, e cê não consegue mais se anestesiar contra ela”.

Assim como as drogas, a AIDS também povoa o dia a dia dos protagonistas. A paranoia com a doença impregna todas as relações dos viciados, que fazem do comportamento de risco um estilo de vida. Welsh não alivia ao retratar detalhes tanto dos avanços da doença em diversos personagens, quanto das formas de se ficar doidão com agulhas imundas, tocando um foda-se para a própria saúde. O autor não pretende dar aulinhas de prevenção, aparentemente ele só quer esfregar a podridão humana na nossa cara.

O ritmo um tanto frenético como as histórias e os personagens vão se amontoando a cada página pode deixar o leitor meio perdido no início (ou quem sabe até a metade do livro), mas é curioso como o trabalho de oralidade desenvolvido por Irvine Welsh (e, na visão de um leigo, muito bem reproduzido pela dupla de tradutores), inserindo inúmeras variações linguísticas, decorrentes de classes sociais, níveis de instrução e questões geográficas, acaba por fazer com que o leitor identifique determinados personagens simplesmente pela forma como eles falam, já que cada um deles possui um vocabulário específico (para os casos mais agudos, os tradutores optaram por um glossário). Esse é um dos aspectos mais interessantes e que tornam o livro tão bom. Não é necessário descrever longamente como é a personalidade ou o comportamento de cada personagem, pois o leitor fará as conexões por conta própria a partir daquilo que o sujeito diz/faz.

Todos esses cuidados com os aspectos técnicos de linguagem demonstram que escrever sobre junkies não é sinônimo de escrever de qualquer maneira, é um troço que exige muita técnica e controle da narrativa, coisa que quem faz cosplay de Bukowski às vezes esquece.

Para além da forma, Trainspotting se tornou uma obra cultuada pelo seu conteúdo, seu discurso contundente, pela voz que ecoa e fala o peito de gerações e gerações de jovens descontentes com a sociedade apática em que vivem.

A esperança num futuro próspero que nunca chegará, aos poucos deu lugar a um sentimento de pertencimento um tanto perturbador, pois muitas pessoas passaram a enxergar este universo tão obscuro não como um espaço transitório de mudança, de revolução, mas sim como um lar, uma casa pintada com sangue e fuligem, em que se pode dormir rodeado por seringas usadas e restos de comida.

Enfim, há certa desolação na narrativa, que fala ao peito de muita gente:

“A sociedade inventa uma intricada lógica falsa pra absorver e mudar as pessoas que têm um comportamento fora do normal. Suponhamos que eu conheça todos os prós e contras, que saiba que terei uma vida curta, que tenha a cabeça no lugar etc. etc., mas que ainda assim queria usar heroína. Eles não vão deixar. Não vão deixar porque isso é visto como sinal do seu próprio fracasso. O fato de você simplesmente escolher rejeitar o que eles oferecem. Nos escolha. Escolha a vida. Escolha pagamentos de hipoteca. Escolha máquinas de lavar. Escolha carros. Escolha ficar sentado num sofá assistindo a programas de auditório que atrofiam a mente e esmagam o espírito, enfiando uma merda de junk food goela abaixo. Escolha apodrecer mijando e se cagando em casa, um constrangimento total pros pirralhos egoístas e fudidos que você gerou. Escolha a vida. Bem, eu escolho não escolher a vida”.

Creio que desde que o livro foi lançado, há duas décadas, as opções disponíveis não mudaram muito.

TRAINSPOTTING | Irvine Welsh

Editora: Rocco;
Tradução: Daniel Galera e Daniel Pelizzari;
Tamanho: 288 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2004.

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Tags: Book ReviewCinemaCríticaCrítica LiteráriaEditora RoccoficçãoIrvine WelshLiteraturaResenhaReviewTrainspotting

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