Posso afirmar com absoluta convicção que ter filhos foi a melhor decisão que tomei na vida. Apesar dos pesares: dá trabalho, cansa; tem horas que parece quando a gente está no mar, toma caldo de uma onda e ainda no zonzeio da recuperação, vem uma nova onda e te dá um caldo outra vez, sabe como? Mas desde que elas chegaram eu me alimento melhor, durmo melhor (menos, mas melhor), pratico exercícios físicos, me divirto, aprendi mais que duas enciclopédias inteiras e ainda tem umas fofurices de recompensa.
Pois. Mas nas horas que o calo aperta – tipo quando a criança de quase dois anos está tendo o 3° momento de choro incontrolável do dia, na hora que tem que escovar os dentes pela 3° vez – bem que passa pela cabeça o clássico: “mas que diabos eu tô fazendo aqui?”. Contudo, o papel dos pais/cuidadores/adultos por perto nessas ocasiões (e em tantas outras semelhantes, em casa, no mercado, no parque, no restaurante) é respirar fundo e exercer a empatia. Com certeza a criança está pensando a mesma coisa.
Nos cabe lembrar que aquela criança chorando, às vezes desesperada, não consegue controlar suas emoções porque ainda não possui o aparato biológico para isso (o cérebro de uma criança até os 6 anos ainda está passando do rudimentar para o mais complexo) nem vivência nesse mundo o suficiente para discernir com clareza. E, sim: nem mesmo os adultos têm esses requisitos, dependendo da situação com a qual se deparam (sabe aquela compra por impulso ou quando você se empanturra de comida, bebida e outras coisas mais…).
Quando a nossa tendência é responder de forma violenta às reações de uma criança estamos repetindo algo pelo qual passamos na infância.
Não pense que esse é um exercício fácil. Pelo contrário, é árdua tarefa manter-se nos eixos na hora em que a criança perde a calma. Seja porque já estamos cansados por causa de outras tarefas cotidianas, do trabalho, do trânsito, enfim… Ou se já repetimos o mesmo comando várias vezes para a pequena criatura e ela insiste em manter o padrão contrário. Não é tranquilo perceber que não se têm controle sobre tudo.
Dizem os entendidos em psicologia que esse momento nos afeta tanto porque nos faz entrar em contato com a criança que nós fomos. E os adultos de hoje em dia, em geral, foram crianças criadas num tempo em que a palmada e o castigo eram lugar-comum. Quando a nossa tendência é responder de forma violenta às reações de uma criança estamos repetindo algo pelo qual passamos na infância. E, por vezes, é duro rever os fantasmas do passado.
Como não sou (não somos?) monges tibetanos dotados de uma espiritualidade profunda, é claro que vamos perder a paciência por alguns momentos, algumas vezes, e aquele lance de “se abaixar, olhar nos olhos e conversar” vai para as cucuias. Por aqui, o combinado é que quando a paciência se esgotar, saímos de perto da cria para respirar fundo, respirar outros ares e retomar a jornada. Mas acredito que o importante é ter o objetivo principal em mente: respeitar a criança enquanto indivíduo, respeitar seu tempo e suas necessidades. E, principalmente, entender que são indefesos.
Um levantamento apontou que, na França, diariamente duas crianças são mortas pelos próprios pais . Índice assustador, apavorante. Por aqui, não é diferente: a cada hora, 5 casos de violência contra crianças são registrados no país. Pior, a situação é naturalizada e a percepção de adultos e crianças é que resolver as situações com violência é normal.
Pode parecer estranho e talvez seja como andar por um caminho desconhecido, mas há vários pais que adotam uma prática diferente, a da ~~ disciplina positiva ~~. Detesto os rótulos até porque nem tenho como saber se daqui a alguns anos manterei essas convicções (ter filhos é um eterno “cuspir para cima”), mas talvez, daqui a algum tempo, toda a sociedade colherá os frutos de uma geração criada na base da conversa (pelo menos na maior parte do tempo), fazendo valer aquele velhíssimo clichê: “só faça para os outros aquilo que você quer que seja feito para ti mesmo”, e nesses “outros”, é claro, estão incluídas as crianças de todas as idades.