Tudo começou no domingo da semana passada, quando eu estava de bobeira na cama e me ocorreu um minúsculo insight sobre os nomes dos personagens da Turma da Mônica. Juntei esse insight (furado desde o princípio, mas não tem problema) a uma teoria da conspiração, fiz referência a uma obra obscura de um autor desconhecido do público leigo, enfim, fiz o meu nióbio em casa só com o que tinha na minha cabeça, e postei no meu perfil pessoal do Facebook. O texto dizia o seguinte:
“O CÓDIGO MAURICIO
Na Turma da Mônica, as meninas têm nomes que parecem nomes (Mônica, Magali, Denise, Marina), enquanto os meninos têm nomes que parecem apelidos (Cebolinha, Cascão, Franjinha, Titi, Dudu, Do Contra, Nimbus, Xaveco). A exceção são as minorias (Jeremias, que é negro, e Humberto, que é mudo), e há ainda uma categoria híbrida de desajustados sociais com um nome que é metade apelido, metade nome (Chico Bento, que é caipira, e Zé Luís, que é nerd).
Já no núcleo jovem, todos têm apelidos, mas alguns se parecem com apelidos dados a partir de nomes: Zecão, Rolo, Pipa, Tina.
Por fim, no núcleo metafísico, todos têm apelidos e todos os apelidos são idiossincráticos: Penadinho, Dona Morte, Anjinho, Cranicola, Nicodemo, Muminho, Zé Vampir.
Portanto, um nome que pareça apelido, na turma da Mônica, implica um adequamento social. O Chico Bento é chamado de Chico Bento quando faz o crossover para a turma da Mônica, mas é chamado apenas de Chico quando está na roça em companhia do Nhô Lau e do Zé Lelé. Ali ele é só apelido, e o desajustado é o menino estudioso, o japonês Hiro, o único da turma que não fala em caipirês.
Por sua vez, um nome que pareça nome insinua uma certa reverência a uma situação de fragilidade. A Mônica é chamada de baixinha e gorducha, mas salvo na hora do plano infalível, ninguém se refere a ela por esses adjetivos.
O apelido é intimidade, e a intimidade surge entre membros afins da classe dominante. Depois da morte, não existe fragilidade, portanto todos têm nomes que parecem apelidos no núcleo metafísico. Por meio dessa pequena divisão, Mauricio de Sousa separa os estabelecidos dos outsiders, os oprimidos dos opressores, para que não reste duvida do papel que cada um ocupa em seu próprio meio.
Mauricio de Sousa era o Norbert Elias da nossa infância.”
Mil e quinhentos likes e quase 500 compartilhamentos depois, o que sugiro a todos é que viralizem alguma coisa desse tipo uma vez na vida.
Meus amigos acharam engraçado e alguns até estavam brincando de discutir a teoria — uma teoria que ninguém com mais de três gramas de tutano levaria a sério, por sinal. Aí compartilhei num grupo de zoação da Turma da Mônica, o Turma da Mônica Shitposting (cujos moderadores entenderam como brincadeira, já que teorizações desse tipo são proibidas por lá).
A coisa foi se espalhando até que algumas pessoas… Hã… com dificuldades, digamos, passaram a levar a coisa a sério, como se eu estivesse problematizando para além da zona do concebível.
Três impressões sobre esse dia:
1- ficaram preocupados comigo: eu estava transando? Estava fumando droga estragada? Eu tinha amigos? Estava comendo cocô? Tive algum trauma de infância que me deixou assim? Gastei tempo de biblioteca e tempo na vida para pensar uma besteira dessas? Deixa eu tranquilizar esse povo: minha vida sexual está ótima, minhas drogas são de ótima qualidade, tenho uns dois ou três amigos (o que em Curitiba é o melhor que dá pra fazer, não sei se você vive numa dessas distopias sociais como Rio de Janeiro ou Belo Horizonte onde ninguém tem menos de cem amigos), minha dieta está balanceada e meus traumas de infância não têm qualquer relação com a Turma da Mônica. Por último, não cronometrei o tempo que demorei pra fazer aquele post, mas não deve ter sido mais do que três minutos. Não sei o tipo de dificuldade intelectual que esse povo que perguntou isso enfrenta, mas fingir saber das coisas é o esporte número um da internet e não exige muito não. Tanto é que que a página do Tico Santa Cruz (com quem fui comparado) tá aí bombando altos.
2- a comédia brasileira é uma fábrica de ódio: tem um rapaz chamado Mauricio Meirelles que diz que é comediante, provavelmente de stand up comedy, porque fez as duas coisas que comediantes brasileiros mais fazem: não entendeu uma piada quando viu uma e incitou o ódio. O sujeito compartilhou meu post a sério, falando que eu tinha a necessidade de lacrar, e posso afirmar que a partir daí o nível dos comentários caiu vertiginosamente. Até então só estava sendo chamado de chato problematizador, mas na hora em que ele compartilhou isso os hetero topzera fã do Bolsonaro começaram a fazer os xingamentos que não saem da boca de ninguém que teve pais atenciosos por perto. Acho que isso diz um tanto sobre o humor brasileiro.
3- pegadinha do Mallandro: as pessoas que levaram a sério e me acusaram de desperdiçar tempo não ficaram tão chateadas com a tal problematização quanto com o fato de terem sido enganadas. Claro, você dedicar seu tempo e seu ódio a uma coisa que nunca foi feita pra ser levada a sério faz de você no mínimo um ingênuo. Peço desculpas a esses ingênuos mas, por outro lado, nunca quis enganar ninguém, era uma coisa do meu perfil pessoal e de alguns fãs brincalhões da turma da Mônica. Fica a lição, vai ser bom pra vocês aprenderem a não ficar compartilhando coisa do Pensa Brasil.
Mil e quinhentos likes e quase 500 compartilhamentos depois, o que sugiro a todos é que viralizem alguma coisa desse tipo uma vez na vida. É uma experiência louca, várias pessoas pedem pra te adicionar e estupram sua pacata vidinha virtual como gângsters recém-saídos de Sing Sing. Se você acredita em carma ruim, pode ter certeza que vai acumular isso aí também. Ainda assim, vale a pena porque é divertido.