A julgar pelas grades das emissoras abertas e fechadas brasileiras, o formato talk show passa atualmente por um período de revigoração perante o público. Basta dar uma “zapeada” no controle remoto: com a saída de Jô Soares da Globo, Fábio Porchat, Marcelo Adnet e Danilo Gentili encabeçam atrações deste gênero. Tatá Werneck recentemente estreou seu próprio talk show no Multishow. E, na semana passada, Pedro Bial voltou à grade da emissora com seu Conversa com Bial, razoavelmente discutido e esperado antes de sua estreia.
Em poucas linhas, o talk show é um formato televisivo e radiofônico bastante antigo e, em essência, bem simples. Trata-se de um programa de entrevista com convidados no qual o apresentador (ou apresentadores) tem papel central – ele é, em boa medida, a estrela. O segredo do gênero, deste modo, está em achar a medida entre o talk (a conversa, a entrevista) e o show (o entretenimento). Assim, não por acaso, muitos talk shows são capitaneados por comediantes de forte verve política em suas piadas.
Arriscaria, portanto, sinalizar algumas razões que podem ajudar a explicar a atual onda deste tipo de programa: talvez tenha a ver com o estado de ânimo do país, o que nos torna mais propensos para querer discutir (e assistir a discussões) sobre os diversos assuntos que nos acometem. Talvez tenha a ver com uma necessidade de extravasar todos estes assuntos por meio do humor.
Pedro Bial, como sabemos, não é humorista, mas jornalista. E isto faz toda a diferença no talk show que ele começou a protagonizar. Diferente das atrações de Porchat, Gentili e Adnet, que investem nas subcelebridades e nas estrelas do mundano – afinal, os convidados servem meio como “escada” para que os apresentadores deem seu show – em Conversa com Bial, o foco está nos bons entrevistados. A proposta é evidente desde a sua primeira semana: o programa apostará nos convidados de qualidade, em gente que traga “substância” à discussão (o que traz a inquietação: em que medida conseguirá sustentar esta essência ao longo do tempo?).
Se há alguma inovação no gênero talk show em Conversa com Bial, está na dinâmica da entrevista em dupla: Pedro Bial conversa sempre com dois convidados, que costumam dialogar em alguma instância a partir de seus interesses e conhecimentos. No primeiro programa, por exemplo, a entrevista foi com a ministra do STF Cármen Lúcia e com a atriz/escritora Fernanda Torres (Fernanda já conhecia a ministra e já havia a entrevistado em seu programa Minha Estupidez). Em outro episódio, no qual Bial foi ao Uruguai entrevistar o ex-presidente Pepe Mujica, os convidados no palco são o músico Vitor Ramil (cujo trabalho e toda história de vida têm forte ligação com o país vizinho) e a jornalista e correspondente internacional Adriana Carranca. No terceiro, a atleta Laís Souza e o neurocientista Miguel Nicolelis são aproximados para uma discussão sobre os avanços científicos nesta área.
Pedro Bial, como sabemos, não é humorista, mas jornalista. E isto faz toda a diferença no talk show que ele começou a protagonizar.
Ou seja, o formato da “dobradinha” torna-se interessante pois foca a discussão em temas relevantes e não nas histórias de vida (que talvez já sejam excessivamente exploradas em vários outros programas). Ainda que os convidados trazidos até este momento falem, inevitavelmente, de si mesmos – por exemplo, a entrevista de Rita Lee focou centralmente em sua história, a partir do mote do lançamento recente de sua biografia –, claro está que estas vidas retratadas falam de algo muito maior que si mesmas. Há (certamente, de modo involuntário) uma espécie de desconstrução de um egocentrismo vigente em todos os lugares – inclusive nas mídias.
Mas atentemos finalmente à figura de Bial, que é um jornalista que construiu uma carreira a partir do reconhecimento de um trabalho de forte marca autoral, tal como tantos jornalistas importantes (como Eliane Brum, Marcelo Canellas, Mino Carta, etc.). Em outras palavras, Pedro Bial fez sua fama justamente por uma especificidade de jornalismo que poderia ser encontrada apenas na sua produção, um texto pessoal, que operaria como uma leitura diferenciada dos fatos sobre os quais narra. Sua reputação se consolidou pelo fato de que se trata dele – e não de qualquer outro jornalista – que está falando sobre o mundo.
Mas algo aconteceu no decorrer de sua jornada profissional: de jornalista reconhecido, Bial também acabou por trilhar um caminho vinculado ao entretenimento. Passou a apresentar programas como o Fantástico, e permaneceu por catorze anos como o líder e “narrador” de Big Brother Brasil, atração entendida por muitos como um símbolo da má televisão, aquela que entorpece o espectador com uma distração vazia. Por todos estes anos, passamos então a associar Pedro Bial aos discursos empolados (e enrolados) para falar de coisas mundanas e descartáveis, como os conflitos decorrentes entre pessoas anônimas no BBB.
E por que menciono isto? Porque este estilo do jornalista, ao que me parece, é o que traz a força e a fraqueza de Conversa com Bial. O apresentador é, certamente, um exímio profissional, bastante culto e propenso a buscar as boas histórias que seus convidados trazem ao seu programa. Entretanto, há um incômodo a cada vez que Bial profere falas mais longas, usando termos poucos recorrentes na língua portuguesa; parece, em alguma medida, que estamos à frente do Pedro Bial do BBB, e isto traz um certo efeito de humor ou de descrença.
Mas, por sorte, e como já mencionado nesta análise, a tônica parece ter sido de não enfatizar o apresentador, mas, sim, os convidados (no primeiro programa, Bial brincou com a ministra Cármen Lúcia que teria ouvido que ele iria fazer o “programa do Jô”. A ministra, inclusive, protagonizou toda a entrevista com as suas elucubrações sustentadas pela sua espontânea “mineirice”).
Ou seja, o fator de qualidade de Conversa com Bial está justamente na pouca ênfase que dá a seu apresentador – diferente do que ocorria com o próprio Jô Soares, que se tornou uma espécie de paradigma do formato talk show no Brasil. Para a alegria dos espectadores, é de esperar que o programa siga nesta mesma linha nos próximos meses.