Nenhum momento relevante na história norte-americana passa incólume ao cinema local, nem mesmo as tragédias. E para cada grande obra que se debruçou sobre estes momentos de profunda dor, dificuldades e mudanças para a realidade dos Estados Unidos, precisamos encarar uma sequência infinita de panfletos do orgulho de ser estadunidense. Que digam os (vários) filmes de Clint Eastwood, que ilustram a grandeza da nação e de fazer parte dela. E O Dia do Atentado, longa-metragem dirigido por Peter Berg que estreou ontem nos cinemas nacionais, não foge à regra.
Produzido por Mark Wahlberg, que também protagoniza o filme, O Dia do Atentado acompanha o desenrolar das investigações do atentado à Maratona de Boston, em abril de 2013. Naquela edição da maratona, duas explosões aconteceram a poucos metros da linha de chegada, quando a prova já ultrapassava quatro horas de duração. Com diferença de quinze segundos entre elas, as bombas deixaram três mortos, entre eles uma criança de oito anos, além de uma centena de feridos, dos quais muitos tiveram membros amputados.
Depois de quatro dias de investigações, a polícia e o FBI identificaram e localizaram dois suspeitos do atentado, os irmãos Tamerlan e Dzhokar Tsarnaev. E é na busca por eles que o filme de Berg (que também assina o roteiro) se desenrola, entretanto, de maneira óbvia e limitada.
A produção de Berg conta com um grande elenco, mas ele acaba sendo desperdiçado em papeis pequenos e inexpressivos, ou mesmo em atuações excessivamente caricatas. Kevin Bacon, John Goodman e J.K. Simmons interpretam papeis relevantes, mas sem nenhuma profundidade, mesmo o acontecimento representando um ponto de virada em suas vidas profissionais. Não obstante, este não é o maior problema do filme.
O Dia do Atentado segue de maneira protocolar, esforçando-se em dar um rosto à tragédia, humanizando os envolvidos no terrível evento.
O Dia do Atentado segue de maneira protocolar, esforçando-se em dar um rosto à tragédia, humanizando os envolvidos no terrível evento. Porém, o filme não se interessa em oferecer outras perspectivas e opta por diluir toda a complexidade que os personagens possuem (ou deveriam possuir), inclusive os dois irmãos responsáveis pelo atentado, em uma romantização do bem contra o mal, logicamente escolhendo a saída mais fácil da demonização do islamismo. Um bom exemplo disso é a cena em que o personagem de Kevin Bacon chega à conclusão de que havia sido um atentado terrorista, logo no início do longa: ela beira o amadorismo.
É claro que o que os irmãos Tsarnaev fizeram foi horrível, e a crítica feita aqui não tem intenção de amenizar a crueldade de seus atos, mas é evidente o quanto Peter Berg cria uma obra parcial e pouco crítica. Não há preocupação em entender o contexto em que os atentados estão envolvidos, apenas vilanizando a religião para apresentá-la como justificativa para a ação dos irmãos. Como se diz, é um filme para gringo ver.
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