Lá se vão dez anos desde 2007, meus amigos. Naquela época, o Twitter ainda estava engatinhando, as pessoas ainda usavam Orkut e bandas faziam sucesso através do MySpace. Nós ainda tínhamos MTV Brasil e os celulares ainda serviam só para torpedos e fotos em VGA. Os downloads de música na internet já estavam estabelecidos e a gente usava programas como o eMule, o LimeWire e o nostálgico Kazaa. Ser indie ainda era muito cool e os blogs de música eram uma ótima fonte de informação alternativa.
O fato é que 2007 não é nenhum divisor de águas para a música, especialmente a música pop, tanto que o grande evento do ano foi o colapso de Britney Spears. De qualquer modo, é curioso olhar novamente para o ano e ver que lá estavam delimitados os últimos suspiros do pop punk que havia sido a estética da rebeldia juvenil do início dos anos 2000 e o claro prelúdio do que seria o rock dos coloridos, o happy rock, que tomaria conta das adolescentes nos anos seguintes. Além disso, em retrocesso, é interessante observar como 2007 é um ano maravilhoso para o que se costuma chamar de “indie pop”, esse termo um tanto obtuso que tenta classificar artistas alternativos que se apropriam dos conceitos pop, para assim os remodelar e criar composições distintas dentro desse universo de refrões pegajosos & três minutos de início-meio-e-fim.
Separamos aqui nessa lista dez discos interessantes que trazem certo olhar sobre 2007, tanto no que diz respeito ao pop mais adolescente, que dominava as paradas na época, quanto grandes discos que mostram que a música pop ainda é a dona dos nossos corações.
‘Good Girl Gone Bad’, Rihanna
Good Girl Gone Bad é o terceiro disco de Rihanna e podemos classificar este como uma metralhadora de hits. Rihanna ainda não era uma estrela de primeiro time quando o hit “Umbrella” estourou, por isso mesmo podemos classificar 2007 como o turning point de sua carreira. Foram oito singles desse disco, que dominou as paradas até o final de 2008: “Don’t Stop The Music”, “Shut Up and Drive” e “Rehab” são a cara e rebolado da época. Good Girl Gone Bad é, sem sombra de dúvidas, o melhor trabalho pop de Rihanna, é o trabalho mais coeso que ela fez sob o jugo de uma grande gravadora (Anti é um discaço, porém feito em outro universo, com uma Rihanna milionária e com uma liberdade criativa bem maior). Com produção de Carl Sturken, Evan Rogers e Timbaland, o disco ainda conta com participações de Jay-Z, Ne-Yo e Justin Timberlake. Dez anos depois, podemos com certeza dizer que este disco é um resumo perfeito do R&B e do pop negro produzido naquela época.
‘Graduation’, Kanye West
Os críticos amam Yeezus e My Beautiful Dark Twisted Fantasy, porém minha grande paixão no universo Westiano é esse Graduation, seu momento mais pop e comercialmente bem sucedido. Posterior ao ótimo Late Registration e anterior ao incompreendido 808s & Heartbreak, é aqui que se aglutinam pérolas como “Stronger”, “Homecoming” e “Flashing Lights”, mostrando muito desse universo de colagens e referências de Kanye, porém sem nenhum de seus arroubos de extravagância. Ele realmente se mostrou mais ousado e genial de 2010 pra cá, porém aqui há um frescor pop, uma força criativa e uma ousadia que o rap pouco nos apresentava naquela época. Trazendo gente como Mos Def, Lil Wayne e Chris Martin na lista de participações, Graduation poderia ao primeiro momento parecer uma bagunça estilizada e eletrônica, porém é um disco coeso e certeiro em seus acertos pop, tanto que se tornou um sucesso mundial e elevou Kanye West ao primeiro time do rap e do pop mundial (ele e seus óculos listrados, que se tornaram o must have de 2007/2008).
‘Life in Cartoon Motion’, MIKA
MIKA foi o vencedor do Sound of 2007, a respeitada lista da BBC, por isso mesmo sua estreia Life in Cartoon Motion carregava consigo uma pesada expectativa, que foi sanada com o disco mais gay e colorido do ano. Os produtores musicais sempre disseram que MIKA deveria investir em músicas mais convencionais, pois assim teria o mesmo sucesso comercial de um Robbie Williams, por exemplo, mas o inglês rejeitou completamente essas expectativas e se jogou no que havia de mais gay na música: pop, glam rock e disco unem-se em um álbum que parece um bebê que entre os Scissor Sisters e o Elton John. Life in Cartoon Motion ainda é o disco de maior sucesso comercial de MIKA e traz delícias como “Grace Kelly”, “Lollipop” e “Relax, Take it Easy”. Over the top, esse disco é a resposta de MIKA para qualquer comentário do tipo “ai, até pode ser gay, mas não precisa ser muito afeminado” e, dez anos depois, Life in Cartoon Motion segue sendo uma delícia pop, perfeito para colorir qualquer dia cinza. O curioso disso tudo: MIKA só saiu oficialmente do armário em 2012, cinco anos depois de lançar essa overdose de homossexualidade aqui.
‘The Best Damn Thing’, Avril Lavigne
Avril Lavigne tinha um discão que era Let Go, com alguns de seus maiores sucessos e até hoje seu melhor disco, e Under My Skin, também um sucesso de vendas e um disco, no todo, mais soturno. The Bast Damn Thing é seu terceiro disco e fecha uma tríade do que poderíamos classificar como a sua fase de “princesa do pop punk”. Depois deste aqui, ela só lançaria disco novo em 2011, já focando em outras sonoridades, mais pop e com outras intenções artísticas. Mais animado e descompromissado, The Best Damn Thing é a fase mais “garotinha do rock” de Avril — com caveirinhas rosa e um estilo meio harajuku bagunçada — encabeçada pelo hit “Girlfriend”, faixa lançada em diferentes clipes e versões. Mesmo já casada e com dois discos de sucesso, é aqui que surge o momento mais adolescente e leve de Avril, tanto que ela considera este o trabalho no qual mais se divertiu. Diferentemente de “Girlfriend”, os singles posteriores não fizeram grande sucesso, mesmo assim isso não diminui o caráter leve e descompromissado que The Best Damn Thing ainda carrega, com seu flerte pop e sua pitada de hip-hop. Dez anos depois, é notável que este foi o último momento realmente divertido de Avril, depois disso vemos apenas suas tentativas de mostrar uma maturidade forçada ou ainda a sua desfaçatez naquele meet & greet que fez no Brasil, em que os fãs desembolsaram 800 reais e não podiam nem chegar perto dela na hora de fotografar.
‘Pop-up’, Yelle
Yelle é daquela leva de artistas que surgiram através do MySpace. É a partir de seu sucesso na internet, que o trio francês lança seu disco de estreia em 2007, Pop-Up, um trabalho que mescla música eletrônica, chainson françoise e funk carioca numa salada mista que poderia soar indigesta, mas que gerou uma pérola pop deliciosa: exagerada, colorida e divertida. Com um visual new rave, o Yelle (não confundir: Yelle é também o apelido de Julie Budet, a vocalista da banda, porém eles se consideram um trio, junto de GrandMarnier e Tepr, todos sob o nome Yelle) conseguiu abrir os shows de Mika na França e acabou indo parar no programa de Lily Allen, na BBC, o que fez com que, em 2008, seu disco tivesse lançamento internacional nos EUA e no Japão (os maiores mercados fonográficos do mundo). Pop-Up fez sucesso nas paradas europeias, mas mais que isso, o mérito desse disco é conseguir captar muito bem o “joie de vivre” de uma época. Yelle tem um charme que a colocou lado a lado com artistas como M.I.A. e Santigold, transformando-a em um ícone cool e fashion que ainda hoje nos diz muito sobre o que nos causava frisson lá por meados dos anos 2000. Dez anos depois, “A Cause Des Garçons”, “Les Femmes” e “Je veux te voir” seguem sendo músicas incríveis.
‘The Reminder’, Feist
The Reminder é o terceiro disco solo de Feist e o primeiro após seu afastamento da superbanda Broken Social Scene. Este é o trabalho de maior sucesso comercial da cantora canadense, tendo vendido mais de 2.500 milhões de cópias no mundo. Bem recebido pelo público e pela crítica, The Reminder envelheceu mantendo a sua aura de pequeno clássico do nosso tempo, com pérolas como “I Feel It All”, “1234”, “My Moon, My Man” e “The Limit To Your Love”. Romântico, leve, pop, para dançar & chorar, esta preciosidade de Feist é um disco para se retornar sempre, para se rever os clipes e se apaixonar de novo e de novo. Vendido dentro da tag “indie pop”, o disco de Feist se tornou um surpreendente hit depois que a faixa “1234” foi utilizada em uma campanha da Apple e estourou nos EUA. Premiada e queridinha da crítica, Feist só voltaria a lançar disco em 2011, com Metals, trabalho menos pop e mais atrelado àquele universo soft rock meio Fleetwood Mac.
‘Scream’, Tokio Hotel
Este é o terceiro disco dos alemães do Tokyo Hotel, porém é seu primeiro disco de apelo internacional, pois funciona como uma compilação em língua inglesa de seus sucessos anteriores, por isso mesmo é considerado como sua estreia perante o mundo. Scream não possui lá grandes qualidades musicais e foi recebido de forma não muito afetuosa pela crítica musical, porém os meninos se tornaram ídolos teen de uma geração: eram figuras frequentes nas páginas da Capricho e da TodaTeen e infestavam a programação da MTV com seus clipes soturnos. O fato é que o vocalista Bill Kaulitz (irmão gêmeo do guitarrista Tom Kaulitz) se tornou o Boy George e/ou Brian Molko dessa geração, com seu visual andrógino, seu penteado armado e suas declarações sempre ambíguas. Filhos de uma Alemanha não mais dividida, o Tokio Hotel apresentava um novo olhar sobre o país, mais juvenil, apaixonado, menos carrancudo e mais maquiado, talvez isso tenha conquistado tantos corações ao redor do mundo. Faixas como “Don’t Jump”, “Ready, set, go!” e “Moonson” apresentavam um grupo mezzo emo mezzo glam, que parecia não se encaixar no tom da época, mas que mesmo assim conquistou as paradas ao redor do mundo.
‘Riot!’, Paramore
No início de 2007, o Paramore era uma banda praticamente desconhecida, que possuía um disco de estreia até com boas vendas, porém nada que preparasse para a enxurrada de pop punk que eles trariam para aquele ano. “Misery Business” se tornou um hit arrasa quarteirão e pronto, a partir dali os cabelos coloridos de Hayley Williams dominaram todos os espaços: de capas de revistas adolescentes à programação completa da MTV. Não muito bem recebido pela crítica, Riot! vendeu milhões e milhões pelo mundo, transformando a banda em um sucesso estrondoso na época, influenciando a moda e a estética: os cabelos e a maquiagem de Hayley se tornaram o must-have de toda adolescente, já as calças coloridas dos meninos foram o ponta-pé inicial da horda de coloridos que veríamos dali pra frente. O efeito viral de Riot! foi grande e, junto do disco de Avril Lavigne, se tornou o último grande burburinho do pop punk, gênero que serpenteou muito bem pelas paradas de sucesso durante toda a década de 2000.
‘Overpowered’, Róisín Murphy
Overpowered não é um disco de grande sucesso comercial pelo mundo. Ele vendeu muito bem na Inglaterra e até se saiu comercialmente melhor que a estreia de Róisín Murphy, porém este segundo trabalho solo da cantora irlandesa (anteriormente integrante do Moloko) não pode ser comercialmente comparado aos outros lançamentos pop do ano. São mais de 20 anos de carreira, porém Róisín segue sendo uma artista alternativa, quase outsider, mesmo que seu trabalho seja suficientemente pop para tocar nas rádios. De qualquer modo, isso não importa, o crucial é que Overpowered é um discão, que apresenta Róisín segura, criativa e extremamente envolvente. Se você não ouviu essa pérola lá nos idos de 2007, corra atrás disso agora, pois Róisín é uma mestra em misturar gêneros e criar canções que conseguem trazer de forma acessível a complexidade do universo eletrônico para o mundo pop, além disso, ela é um ícone fashion e artístico, do tipo que vale destrinchar seus clipes, suas fotos, seus looks, suas referências, tudo, tudo!
‘X’, Kylie Minogue
Toda vez que as pessoas querem discutir divas pop, eu tenho vontade de interromper o debate e dizer “vamos todos retornar as palavras sagradas de Kylie Minogue?”. Kylie tem uma das carreiras mais sólidas do mundo pop e mantém um alto nível em suas produções, por isso X é um ponto crucial em sua produção: a artista estava saindo do tratamento para seu câncer de mama e aqui ela se unia a um pessoal distinto da música eletrônica, como Scissor Sisters e Calvin Harris (na época ele ainda era indie). Flertando com universos diferentes do habitual, Kylie ainda assim mantém firme a sua persona e acaba nos entregando um disco extremamente coeso, que segue em alta qualidade do início ao fim, com musicões como “Wow”, “2 Hearts” e a já clássica “In My Arms”. Sucesso de vendas na Austrália e no mercado europeu, X é mais uma vez a prova de que Kylie sabe muito bem como fazer música pop das boas e como ela é a luz que nos guia nesse universo pantanoso de charts, “bíblias do pop” e brigas de egos entre talifãs de divas pop. Salve Kylie!