É Príncipe para lá, é Príncipe para cá, não se fala em outra coisa em Joinville. E, no entanto, o homem nunca pisou na cidade. Acontece que ele era o dono de todas essas terras, não que houvesse algum mérito nisso, ganhou tudo de mão beijada quando desposou a famosa Dona Francisca. Dona Francisca, antes de ser uma estrada, antes de ser uma serra, antes até de ser uma colônia, era a filha de Dom Pedro I, irmã de Dom Pedro II. Uma família dessas tinha condições de oferecer como dote um punhado de terras em Santa Catarina. Só depois é que o Príncipe negociou as terras com uma companhia colonizadora e vieram os imigrantes. Ao contrário do Príncipe, eu já pisei em Joinville outras vezes, mas isso já faz tanto tempo que é quase como se fosse a primeira vez mesmo.
Sou, pois, um viajante que chega à Colônia Dona Francisca. Em outros tempos, eu seria recebido com um cortejo oficial, banda de música, salva de tiros, o diabo. Seria levado pelo próprio diretor da colônia para conhecer as escolas, as igrejas, os moinhos. Todo o progresso da colônia me seria apresentado e a minha avaliação seria levada em conta. Ah, mas esses tempos já passaram, agora já não há nenhuma novidade na chegada de um viajante, aí estão tantos hotéis, e o meu, por acaso, é o “Príncipe”.
Tenho que percorrer sozinho a cidade, sozinho e a pé, o que me prende ao centro. Mas meus destinos são bem específicos. Vim aqui atrás de vestígios dos mortos, como sempre. Papeis velhos, compra de lotes, registros de impostos. Só agora estou conhecendo a história desses imigrantes, suíços e alemães, na maioria. Era uma aventura vir para cá, no meio do sertão, começar uma cidade. Veio gente de muita cultura, até teólogo imigrou. Eram anos de muitas chegadas, mas também de muitas partidas, gente que desistia, porque nem sempre a gente acerta, e às vezes é preciso buscar outra coisa. Estamos todos tentando resolver o drama das nossas existências. Quem ficou viu a colônia crescer, e muitos se saíram bem nela.
Sou, pois, um viajante que chega à Colônia Dona Francisca. Em outros tempos, eu seria recebido com um cortejo oficial, banda de música, salva de tiros, o diabo.
Hoje boa parte desse pessoal está em um cemitério de imigrantes, um cemitério que não sepulta mais ninguém. Vou até lá, vejo todos aqueles túmulos velhíssimos que não recebem mais flor. O que eu gosto de visitar em uma cidade são os cemitérios, as igrejas e as bibliotecas, todas coisas que exigem silêncio e aspiram à eternidade.
E, de repente, a Rua Dona Francisca. Se eu seguir isso daqui em linha reta por 90 quilômetros chego a São Bento, que foi onde nasci. Ah, uma estrada dessas, com um passado imperial, que custou tanto para fazer, que empregou tantos colonos, e logo ali no começo, deitados no chão, a multidão dos famintos de Joinville… São os pobres do Príncipe.
A minha estada é curta e preciso voltar a Curitiba. Penso em Robert Avé-Lallemant, o médico, o viajante alemão que foi de Joinville a Curitiba pelo meio do mato, tendo como guia o impressionante engenheiro Karl August Wunderwald. Levaram 13 dias no meio da floresta, e só Deus sabe como é que conseguiram sair de lá, pois nem comida eles tinham mais. Neste ponto, por algum motivo, eu já não invejo os viajantes do passado. E é de ônibus mesmo que me afasto das terras de Vossa Alteza.