Não há dúvida de que BROCKHAMPTON é o coletivo de hip hop mais prolífico e criativo dos últimos tempos. Em menos de três meses, eles lançaram 10 videoclipes (todos dirigidos e editados pelos membros do grupo) e dois álbuns — um terceiro já foi anunciado e vai ser lançado até o final do ano, fechando a trilogia SATURATION.
Com um ritmo de produção tão intenso, era de se esperar que a qualidade do trabalho final fosse, no mínimo, inconsistente. Não parece ser o caso aqui. SATURATION 2 amplia e intensifica todos os elementos que fizeram o primeiro disco do coletivo ganhar os holofotes em um cenário musical bastante saturado (ba dum tss).
O casamento entre a agressividade dos bangers, apelo pop e melodias pegajosas soa mais natural e coerente. Há um fluxo nítido entre as faixas, o que garante uma coesão maior ao álbum — ao contrário do primeiro SATURATION que soava um tanto “desorganizado”.
Essas não foram as únicas arestas que foram aparadas nesse disco. A melhoria na qualidade das letras é visível, pelo menos na maior parte do álbum. SATURATION tratava da dualidade entre a postura de “ostentação” dos rappers e os problemas pessoais, o lado mais sensível deles que se escondia sob a superfície.
Musicalmente não há o que reclamar de SATURATION 2. A produção das faixas continua recheada de camadas e texturas, misturando referências do R&B, rap e até alguns elementos de rock alternativo.
Aqui a dualidade também está presente, mas a discussão se amplia e progride. Durante a maior parte do álbum, as letras ainda tratam dos problemas pessoais de cada um dos integrantes — dilemas que têm a ver sobretudo com a falta de adequação aos padrões da sociedade e as agruras da convivência entre a “vida adulta” e a de artista. Mas dessa vez, questões como racismo e homofobia ganham um protagonismo maior, especialmente nas faixas “FIGHT”, “TEETH” e “JUNKY”.
A isso se contrapõem diversos momentos de “fodam-se todos vocês”, direcionados aos haters e àqueles que diminuem o trabalho do grupo, ou que não acreditavam que eles alcançariam qualquer tipo de sucesso. Há também uma sensação curiosa de otimismo e auto-aceitação nos momentos mais solares do álbum (“SUNNY” sendo o maior exemplo). Mesmo com todos esses problemas, a vida está melhorando gradualmente: eles vivem um bom momento.
Falando nisso, a química e a performance dos integrantes está ainda mais afiada: cada um deles traz à mesa uma personalidade diferente que enriquece o conjunto da obra. Dom McLennon apresenta uma variedade de flows e domínio lírico de dar inveja a vários veteranos da cena. Além de trazer novamente refrões e momentos melódicos “grudentos” de muito bom gosto, Kevin Abstract é dono de alguns dos melhores versos do disco.
Matt Champion finalmente conseguiu aprimorar suas letras, que agora fazem jus ao flow despojado e espirituoso que ele sempre entrega. Mas a maior surpresa fica por conta de Joba. Até então, ele mexia mais com a parte de produção, aparecendo em um ou outro refrão ou criando texturas melódicas com seus falsetes. Aqui ele brilha em vários pontos. Entregando vários versos bem construídos, com um flow cadenciado, melódico e, em alguns momentos, até mesmo cartunescos — o que dá um sabor especial para faixas como “SWEET” e “TOKYO”.
Por outro lado, Ameer Van e Merlyn Woods seguem no mesmo esquema de SATURATION. Apesar de serem extremamente carismáticos e de entregarem performances interessantes, os dois apresentam alguns problemas nesse álbum. Especialmente na falta de variedade de flows e temáticas nas letras, o que faz com que eles soem um pouco unidimensionais.
Musicalmente não há o que reclamar de SATURATION 2. A produção das faixas continua recheada de camadas e texturas, misturando referências do R&B, rap e até alguns elementos de rock alternativo — passeando tranquilamente entre a agressividade e a melodia. Os beats de cada música seguem uma progressão constante, evoluindo e crescendo com beat switches e estruturas não-convencionais.
E vale destacar que dessa vez o autotune e os processadores vocais — grandes divisores de opinião no primeiro álbum — foram usados de maneira mais econômica. Eles aparecem com mais peso nas faixas “GAMBA” e “JELLO” (sucessoras espirituais de “MILK” e “FAKE”), porém sempre com propósitos estilísticos.
A combinação entre a criatividade da produção e a dinâmica entre os demais integrantes, cria uma fórmula difícil de superar. Não há, aqui, nenhum momento tedioso ou desinteressante. Eles estão em competição com eles mesmos, porque não há grupo de hip hop no momento que se compare ao que eles lançaram até então.
Com SATURATION 2 eles subiram ainda mais o nível, agora é apenas esperar para ver se SATURATION 3 vai continuar nessa escala de progressão e evolução constante. Mas bem, eles não têm muito mais o que provar.