Há um senso de verdade nos clichês e no seu uso apropriado. Sei disso porque meu peito se encheu de algo quando eu olhei ao longe a linha de prédios que corta o horizonte do meu bairro e disse sem o menor constrangimento: quando eu cheguei aqui era tudo mato. E era mesmo. Ou melhor: lama e capim, uma mistura particularmente célebre nessa cidade. Pontos de ônibus enfiados na lama e um misto de começo de construção com outros empreendimentos abandonados, aquele monte de areia jogado ali no canto que, por Deus, deve ser de alguém afinal, ou não? As ruas tinham sentidos simples, o comércio de rua era pouco e negligente, a vista da janela dava para o Viaduto Capanema de um lado e a estufa do Jardim Botânico do outro.
De uma hora para outra, tudo mudou. Primeiro foi o barulho de obras durante anos, inclusive aos sábados. Aí vieram os prédios. Um mega condomínio de cinco torres se estalou numa esquina, outro largo bloco de concreto foi erguido do outro lado da rua, alguns sobrados ocuparam um capinzal de uma rua que, até então, não servia para mais nada além de ligar duas paralelas. Aí vieram os carros. Ouvi dizer que a senhorinha que cuidava do estacionamento da frente parou de aceitar pagamento por dia e só pega mensalista. E que agora está morando na Itália. Meu reino por uma vaga na calçada! E quanto cocô de cachorro na calçada de repente também. Ninguém dá um jeito nisso? Tanto cachorro bonito na coleira fazendo tanta coisa feia.
De uma hora para outra, tudo mudou. Primeiro foi o barulho de obras durante anos, inclusive aos sábados. Aí vieram os prédios.
Ah, abriram uma academia de Crossfit na esquina, e uma hamburgueria gourmet na esquina do outro lado da rua do Crossfit. A padaria que vivia com abelha no pão doce foi substituída por outra, que vende bolo red velvet, croissant de chocolate, pastel de Belém e misto quente a seis reais. E toma-lhe estúdio de pilates, toma-lhe loja especializada em bubble tea, toma-lhe uma dessas farmácias boutique, casa de camarão e o melhor hospital do sul do Brasil segundo uma propaganda do próprio hospital.
Dizem que se algum dia a população de Copacabana descer às ruas de uma vez só, não haveria espaço no bairro para todos. Suspeito que algo similar possa ser dito sobre o Cristo Rei. Ainda bem que ninguém aqui nunca sai de casa. Quando eu cheguei aqui era tudo mato. Agora é tudo prédio, mas continua silencioso como sempre foi.