A sopa de chuchu do Leopoldo era tradição na família em dias frios. Ele tinha um dom: transformar aquele legume sem gosto em um jantar mais gostoso do que pizza – era o que ele mesmo dizia, não quer dizer que as outras pessoas concordavam.
Levantou cedo naquele dia, para ir ao mercado. A filha mais velha iria fazer uma visita de noite e ele já estava empolgado para começar a preparar a maravilhosa e estupenda e magnífica sopa de chuchu.
– Leopoldo, faz uma lista porque você sempre esquece alguma coisa!
– Lista, Estela? Eu sou o rei da sopa de chuchu, tá tudo na cabeça.
– Você vai esquecer alguma coisa, Leopoldo.
– Para de se preocupar, é sábado, volta a dormir.
– Depois não vai dizer que eu não avisei.
– Logo eu tô de volta, com todos os ingredientes. To-dos. Pra jogar na sua cara que a minha memória não tá ruim que nem a sua.
Colocou uma blusa e foi caminhando. O mercado era perto, em dez minutinhos já estavam ele e outros idosos andando pelos corredores enquanto reclamavam que na época deles os preços não eram tão altos.
Primeiro, pegou o azeite. “Mas que porra de azeite é esse? É de ouro? Na minha época a gente não pagava isso tudo por azeite!”, o senhor desconhecido pra quem ele olhou se demonstrou inconformado, mas não falou nada.
Bacon em cubos, batatas, uma cebola, sal, pimenta: tudo no carrinho. Tudo “os olhos da cara! Mas isso é um absurdo! Na minha época a gente vinha no mercado com uma moedinha e voltava com três sacolas cheias”.
– CPF na nota, senhor Leopoldo?
– Sabe que na minha época era CIC que chamava?
– Sei, o senhor vem aqui todos os dias e fala isso todos os dias.
– Mas tá boa de memória, hein? A minha também tá boa, vim sem lista hoje.
– O senhor sempre vem, o senhor sempre volta. CPF na nota?
– Era CIC na minha época…
– Tá bom, CIC na nota?
– Não, não, não vou querer, não. Obrigado.
Pagou. Reclamou.
– Até daqui a pouco, senhor Leopoldo.
Colocou tudo na sacola retornável e foi caminhando devagar.
– CPF na nota, senhor Leopoldo?
– Sabe que na minha época era CIC que chamava?
– Sei, o senhor vem aqui todos os dias e fala isso todos os dias.
Chegou na portaria do prédio, pensando em item por item que havia comprado. Queria se certificar de que poderia provar para a esposa que ela estava errada – pra variar um pouquinho, já que ela estava sempre certa.
O porteiro abriu o portão sorridente:
– Bom dia, senhor Leopoldo! Tá pensativo hoje?
– CHUCHU!
Olhou assustado.
– Chuchu?
– Chuchu!
– Eu sou chuchu?
– O chuchu!
Deu meia volta e retornou para o mercado.
Pelo menos Estela não ficaria sabendo.