É intrigante que o diretor e roteirista francês Michel Hazanavicius, vencedor do Oscar pelo superestimado O Artista, tenha escolhido o cineasta Jean-Luc Godard como personagem central de seu novo longa-metragem, O Formidável. Como criadores, eles parecem ser habitantes de galáxias completamente distintas.
Hazanavicius, contudo, não se aproxima de Godard por meio de sua obra, complexa, desafiadora, e multifacetada. Ele opta por sua persona mediada por um olhar bastante específico, o da atriz Anne Wyazemsky, com quem o diretor do clássico Acossado viveu e trabalhou. Sobre o relacionamento, a atriz publicou o livro autobiográfico Um Ano Depois, base do roteiro de O Formidável.
Na obra, Wyazemsky, que morreu neste ano, aos 70 anos, apresenta o homem e o artista, com quem conviveu por muitos anos. A atriz, estrela de A Chinesa (1967), outro marco na carreira de Godard, nos entrega a sua versão do ser humano por trás do mito, da qual Hazanavicius se serve para fazer um filme que não poderia ser mais distante do cinema do gênio da Nouvelle Vague, mas tem lá seu charme, se nos desconectarmos da expectativa de tentar decifrar a esfinge que o diretor franco-suiço é para muitos.
Na pele do ator Louis Garrel (de Os Sonhadores e Canções de Amor) nos é apresentado como um sujeito de temperamento instável, carente e voluntarioso.
Na pele do ator Louis Garrel (de Os Sonhadores e Canções de Amor), Godard surge como um sujeito de temperamento instável, carente e voluntarioso. Humanizado, enfim. Há uma subversão da imagem cristalizada do artista combativo, politicamente engajado, e fervoroso defensor do cinema autoral. Ele surge na tela como um bufão, entre o genial e o patético, repleto de vaidades, e capaz de forjar para si uma imagem que, de certa forma, coincide com a que temos de Godard.
Como fez em O Artista, ao retratar a Hollywood dos tempos do cinema mudo, Hazanavicius constrói uma obra autorreflexiva, um filme que fala do cinema, mas de forma algo paródica: o Godard de Garrel é uma espécie de soma dos estereótipos mais recorrentes da Nouvelle Vague e do diretor obcecado por ser visto como autor.
Há que se lembrar que Anne Wyazemsky (no filme vivida por Stacy Martin), que também trabalhou com o italiano Pier Paolo Pasolini, apresenta Godard por meio de seu olhar inevitavelmente parcial e afetivo, também sabendo da vontade do público de saber mais sobre seu ex-companheiro e personagem. É um Godard entre muitos possíveis, nas mãos de um realizador apenas mediano como Hazanavicius.
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