É um pouco chato dizer que uma série é brilhante, perfeita, incrível, soberba. Soa exagerado e parece que o dono dos elogios não sabe argumentar além disso. Mas serei a obrigado a dizer que a segunda temporada de The Crown é brilhante, perfeita, incrível e soberba. É sempre um desafio tentar superar uma temporada de estreia tão boa, mas Peter Morgan, criador e roteirista de The Crown, conseguiu não somente melhorar o ritmo da narrativa quanto fazer da série um evento. Em tempos em que maratonamos tudo na velocidade da luz, The Crown se torna uma produção para ser apreciada com paciência, tamanho esmero na hora de contar sua história.
O segundo ano aborda, como prometido, mais uma década do reinado da rainha Elizabeth II (Claire Foy), agora entre 1950 e 1960. A série faz isso sem pressa ou didatismo. Conseguimos sentir a passagem do tempo sem precisar de letreiros ou informações explícitas. A montagem é eficiente para compreendermos as mudanças históricas do Reino Unido e o enfraquecimento da monarquia britânica, que começa a sentir as primeiras derrotas, a independência de alguns países, a insatisfação do povo e uma certa americanização em alguns modos, como a ótima cena da mãe da rainha comendo mac and cheese, prato tipicamente americano. .

Como já era de se esperar, neste ano a série foca em diversos fatos históricos que mudaram definitivamente a monarquia, com efeitos vistos até hoje. São alguns deles: a turnê do príncipe Philip e os rumores de que ele teria um caso extraconjugal; a Guerra de Suez, crise política que teve início em 1956, quando Israel, com o apoio da França e Reino Unido, que utilizavam o canal para ter acesso ao comércio oriental, declarou guerra ao Egito; o casamento da princesa Margaret com o fotógrafo Antony Armstrong-Jones; as críticas ferrenhas do jornalista Lord Altrincham, que acabaram modernizando a monarquia; os arquivos de Marburg, que evidenciou uma relação próxima do Reino Unido com Hitler (em um episódio belissimamente dirigido e com um final chocante); a visita do presidente Kennedy e da primeira-dama Jackie; e a crise em Gana, entre outras pequenas histórias que deixam a série deliciosa.
Em tempos em que maratonamos séries na velocidade da luz, The Crown se torna uma produção para ser apreciada.
É claro que muito desses fatos são amarrados com algumas firulas ou licenças poéticas que não existiram (ou foram bem menos dramáticas do que o que a gente vê), mas funcionam para deixar a série como uma novela de extrema qualidade. Nada sobra na tela. Os roteiros são construídos com tanta atenção que formam histórias completas a cada capítulo, como se cada episódio coubesse dentro de um longa-metragem. Nada é desperdiçado e a direção é soberba ao aproveitar cada atuação, cada diálogo, cada canto da vida palaciana.
E se os fatos políticos dão à série um interessante estudo histórico, é no elemento humano que The Crown acerta mais uma vez. O peso da coroa continua sendo o principal mote da série, mas agora adentramos a vulnerabilidade daquelas pessoas e em suas frustrações, como se todos estivessem amarrados dentro de um conservadorismo que sufoca. É como se todas aquelas pessoas quisessem berrar, gritar e se rasgar no meio, sentimento brilhantemente exteriorizado pela reação da princesa Margaret em determinada cena.

E não há como não se impressionar com o talento de Claire Foy. A série consegue crescer muito por causa do belo texto, de uma direção caprichada e composições de cenas belíssimas, mas é a atriz quem garante uma rainha crível, humana, sóbria e encantadora. É no olhar de Foy que a série mora e, por isso, conseguimos entender toda a complexidade da personagem e da coroa olhando para ela. Se os olhos são a janela da alma, Claire Foy então mergulhou completamente na persona Elizabeth, que inteligentemente se mostra sempre tensa, dura, quase robótica, para mostrar uma fragilidade e traços mais humanos em cenas pontuais, o que deixa tudo mais especial.
Com a trilha sonora composta por Rupert Gregson-Williams (Mulher-Maravilha, Até o Último Homem) e Lorne Balfe (Churchill), que dão à série um ar de thriller elegante, The Crown acerta mais uma vez ao mostrar o lado mais pesado da monarquia britânica, ao mesmo tempo em que eventos do cotidiano ganham um peso épico sem soar forçado. É, sem dúvidas, uma das séries mais brilhantes da televisão.
https://www.youtube.com/watch?v=191-6fuycN8