De todas as séries de super-heróis no ar atualmente, Luke Cage é a mais ousada, a mais complexa e, provavelmente, a mais relevante. Ela foi a terceira iniciativa da Marvel junto à Netflix e, se não é perfeita (sua trama por vezes é confusa, com informações em excesso, estrutura muito semelhante à das “irmãs” Jessica Jones e Demolidor, etc), apresenta uma história em que o contexto social é complexo, além de abordar um assunto comumente relegado ao esquecimento no universo dos quadrinhos: o ser negro. O show também explora o gênero blaxploitation, o racismo institucional da força policial e da mídia, que manipulam ao seu bel prazer a narrativa do heroísmo de Cage, distorcendo a narrativa conforme o que lhes interessa.
Luke Cage é, obviamente, um protagonista negro com muitas texturas, mas é na vulnerabilidade em ser negro no mundo (e aqui é importante lembrar que a série vai ao ar em um momento que os Estados Unidos vivem uma forte tensão racial) que a série encontra uma força única: como negar a irônica indestrutibilidade do herói frente a uma população que sofre diariamente na pele a cruel realidade?
Como foi no caso da primeira temporada de Jessica Jones, há um pequeno problema de ritmo na série, que demonstra lentidão em seus primeiros episódios. Aqui fica a sensação de que Luke Cage tenta ser muitas coisas distintas ao mesmo tempo, explorando muitos caminhos. Em alguma medida, são estas escolhas que conferem ao show essa característica ambiciosa. Uma característica positiva de Luke Cage são seus personagens principais, bem como os atores que os interpretam, um time de primeira, algo bastante raro nas séries baseadas em heróis de quadrinhos.
Como negar a irônica indestrutibilidade do herói frente a uma população que sofre diariamente na pele a cruel realidade?
A temporada inicia mostrando Luke (Mike Colter), um homem aparentemente normal, trabalhando em uma barbearia do Harlem, zona da cidade controlada por Cornell Stokes (Mahershala Ali), dono de uma boate e envolvido com o crime, e sua prima, a vereadora Mariah Dillard (Alfre Woodard), uma política ambiciosa que esconde sua monstruosidade atrás de discursos falsos sobre sua paixão pelas famílias que compõem a comunidade.
Diferente dos outros super-heróis, Cage não combate o crime inicialmente. Mas a ambição de Stokes e Dillard por mais poder, dinheiro e influência sobre o bairro leva a que Cage assuma involuntariamente o papel de defensor daquelas pessoas. Contudo, isto passa a chamar a atenção da detetive Misty Knight (Simone Missick), que precisa entender quem é Cage no meio desta guerra que acontece no submundo do Harlem.
É ao não definir se pretende esmiuçar as origens de Cage, desenvolver um drama político ou falar sobre a corrupção na polícia de Nova Iorque que se cria uma confusão na série. Essa falta de coesão causa problemas em determinados momentos, enquanto em outros cria forças independentes que acrescentam camadas à série e prendem a atenção do público.
Por sorte, a reta final da temporada consegue dinamizar a trama e canalizar os vários enredos em uma narrativa coerente e realmente relevante, ao mesmo ponto em que coloca a presença de Luke Cage em xeque: afinal, ele é uma ameaça ou um herói? E mais: como é possível um herói negro sobreviver em um sistema que deseja seu sumiço? E por último, mas não menos importante, como ele, apesar de todo horror que assiste, ainda deseja ser um herói?
A nova temporada está programada para ir ao ar em junho deste ano.