Está sendo difícil voltar completamente à realidade depois do show do Radiohead que rolou nesse domingo (22), em São Paulo. Parece exagero falar assim, talvez até seja, mas foi uma das experiências musicais mais completas que já vivi. Ao longo de quase 2h30 de show, a banda falou poucas palavras, mas disse tudo que precisávamos ouvir por meio das canções que marcaram uma geração inteira.
Ao meu redor, uns especulavam sobre o possível setlist da noite (“É show grande, eles vão tocar as mais animadinhas”), outros, ansiosos, contavam cada minuto de “atraso” (“Cadê a pontualidade britânica?!”). Então tudo isso ficou para trás. Como o início de um transe, às 20h09, as luzes se apagaram e os sintetizadores hipnóticos de “Treefingers” inundaram o Allianz Parque.
“Daydreaming”, segundo single do último álbum deles, A Moon Shaped Pool, pode parecer uma escolha inusitada para abrir um show desse porte. Mas Radiohead nunca quis ser convencional. Assim, ao som melancólico do piano, sutilmente a banda construiu uma atmosfera da qual era impossível se desvencilhar.
Acompanhados de um show de luzes magistral e colagens em vídeo projetadas em três telões, que misturavam fragmentos dos integrantes com cores e texturas presentes no projeto gráfico de A Moon Shaped Pool, todas as músicas ganhavam uma nova dimensão. Mesmo aquelas que eu particularmente não sou tão chegado, como “Bloom” e “The Gloaming”, contagiavam com facilidade.
Ao contrário de tantos outros grupos, eles não negligenciam nenhum álbum e nem se prendem aos hits, como notou um rapaz à minha esquerda, lá pela metade da noite: “Eles tão fazendo um repertório bem lado B, né”. Com um setlist bem equilibrado, eles alternavam canções agitadas com outras mais eletrônicas e atmosféricas, representando todas as fases de um grupo que, mesmo depois de tantos anos, não tem medo de experimentar sonoridades diferentes.
Sutilmente a banda construiu uma atmosfera da qual era impossível se desvencilhar.
Esse contraste foi o combustível de alguns dos momentos mais memoráveis do show. Do acústico à distorção, viradas como as de “Paranoid Android” e “My Iron Lung” canalizavam a energia daquelas milhares de pessoas em um único fluxo. Mas foi em “Exit Music (For a Film)” que o Radiohead mostrou toda sua força ao vivo.
Ela veio de mansinho, acústica, com Thom Yorke acompanhado pela voz em uníssono do público. Quem olhava ao redor via, pouco a pouco, se acenderem lanternas de celulares e isqueiros. Quando finalmente chegou um dos crescendos mais icônicos de Ok Computer, parecia que as estrelas encobertas pelo céu nublado de São Paulo haviam todas pousado ali naquele estádio. O silêncio era só uma memória distante. Havia apenas aquele momento e a catarse de todas as vozes cantando: “And now, we are one in everlasting peace”. Esses versos nunca soaram tão verdadeiros.
Durante a noite inteira minha atenção se dividiu entre o palco e um grupo de amigos que estava ao meu lado. Eles adivinhavam as músicas logo nas primeiras notas, ou antes mesmo delas começarem. Como quando um deles declarou que a banda tocaria “There, There”, somente pela troca de instrumentos — e acertou. Cantavam as canções com a propriedade que só os fãs de longa data possuem e, quando não havia mais voz, conversavam em sorrisos e danças tão frenéticas quanto as de Yorke. Era plenitude pura.
Parece pouco, mas isso representa muito bem parte do impacto que Radiohead teve nessa geração. Para além do público, que encontrou conforto nas letras e arranjos dos britânicos, a influência deles está marcada no DNA de quase todas as bandas que surgiram pós-2000. Eles abriram novas possibilidades sonoras e estéticas em uma época na qual dominava a mesmice do brit pop e do (pós)grunge. Mostraram que era possível ser gigante e ao mesmo tempo fazer algo inovador, que instigasse e tivesse relevância.
Foi esse gigantismo e dedicação à música, em sua forma mais completa, que eu presenciei naqueles exatos 141 minutos de show. Claro, olhando em retrospecto, em questão de infraestrutura, houve alguns problemas e seria injusto da minha parte não pontuá-los. O palco baixo demais, aliado aos telões que só transmitiam as “videomontagens” (e que inclusive pararam de funcionar pouco antes do primeiro bis), fez com que muita gente não conseguisse assistir ao show – somente escutar.
O som também deixou a desejar em alguns momentos, especialmente nas cinco primeiras músicas. O volume parecia baixo demais – sobretudo os vocais – e “embolado”, deixando difícil distinguir guitarras e teclados. Isso foi corrigido ao longo do show, mas é o tipo de problema que incomoda, principalmente quando se leva em conta os preços salgados dos ingressos.
Mas mesmo assim, depois de soarem as últimas notas de “Fake Plastic Trees” — que deixaram um gosto agridoce na boca — quando já estava deitando, pensando em como eu estaria destruído no trabalho no dia seguinte, a sensação que tomava conta era apenas uma: tudo estava no seu lugar certo. E ainda está. Obrigado, Radiohead.