Filho de Domingos Félix do Nascimento e da senhora Conceição — esta última pupila de Mãe Menininha do Gantois —, Ubirajara Félix do Nascimento, conhecido como Bira Presidente, foi imerso na cultura do Estácio, frequentando rodas de samba desde menino com seu pai, que convivia com Pixinguinha e João da Baiana. Aprendeu pandeiro ao lado do tio Honório Guarda, evoluindo entre Aniceto do Império e outros mestres da percussão.
Em 20 de janeiro de 1961, Ubirajara, seus irmãos Ubirany e Ubiracy, e amigos fundaram o Grêmio Recreativo Cacique de Ramos — bloco que bateria forte para além de Ramos e pelos corações do samba —, no subúrbio da Leopoldina. Bira assumiu a presidência vitalícia, convertendo a sede do bloco em um verdadeiro “Doce Refúgio”.
Pagode do Cacique e revolução sonora
Nos anos 1970, o Cacique inaugurou seus pagodes nas quartas, na Rua Uranos, transformando um terreno modesto em núcleo cultural. Foi ali que nasceram as inovações instrumentais do samba-pagode: repique de mão (idealizado pelo irmão Ubirany), tantã (por Sereno) e banjo com braço de cavaquinho (Almir Guineto) — manifestações de uma criatividade que Bira sempre abraçou.
Bira permaneceu ativo no grupo por décadas, sustentando a tradição enquanto amplificava o gênero com força e leveza.
Esses encontros inspiraram formidáveis artistas: Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Arlindo Cruz, entre inúmeros, foram atraídos por ali. No álbum De Pé no Chão (1978), Bira já prestigiava toda a sonoridade caciqueana.
Da mesma roda surgiu o projeto que viria a mudar o samba — o Fundo de Quintal. Em 1979, o grupo amador estreou no show Samba é no Fundo de Quintal e, em 1980, gravou seu primeiro LP. Com Bira no pandeiro e voz, o Fundo de Quintal consolidou o samba-pagode e se tornou referência nacional.
Bira permaneceu ativo no grupo por décadas, sustentando a tradição enquanto amplificava o gênero com força e leveza — um verdadeiro mestre de gerações.
Um presidente cultural e comunitário
Além de sua arte, Bira era um articulador social. Sob sua liderança, o Cacique conquistou reconhecimento oficial como patrimônio imaterial do Estado (Lei 10.562/23), da cidade do Rio e a quadra da Rua Uranos se firmou como espaço de sociabilidade, lazer e cultura popular.
Mesmo após o diagnóstico de Alzheimer — registrado pela diretoria em 2024 —, seu corpo ainda transmitia o samba, com apoio da família, do grupo e da “Diretoria de Ouro”.
Reconhecido pelo papel fundamental, recebeu homenagens: Medalha Tiradentes pela Assembleia e Medalha Pedro Ernesto, ambas em 2015–16, e viraria enredo de blocos carnavalescos e escolas de samba.
Assumidamente vaidoso, mantinha um guarda‑roupa feito sob medida e dedicava-se com alegria aos eventos do Cacique, como festas de aniversário — em 2024 completou 87 anos, já celebrando com pandeiro de ouro. Sabia que a cultura sincera pode salvar: “Meu coração bate em ritmo de samba” — declarou em homenagem pelo Dia Nacional do Samba, em dezembro de 2021.
Nas últimas semanas, seu estado de saúde era “delicado”, segundo fontes da família e do hospital, com comorbidades associadas e histórico de tratamento oncológico prolongado de um câncer de próstata, além do Alzheimer. Ele partiu deixando as filhas Karla Marcelly e Christian Kelly, netos Yan e Brian, sua bisneta Lua, e o carinho de uma comunidade inteira.
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