Com Tragic Songs Of Life, de 1956, os irmãos Ira e Charlie, conhecidos como The Louvin Brothers, inauguraram os registros de uma carreira que se iniciara nos anos 1940. Herdeiros da tradição country, e do estilo de grupos como The Delmore Brothers, a dupla estabeleceu este trabalho como fundamental no gênero. De Everly Brothers e Elvis Presley, passando por Johnny Cash e The Byrds, os grandes da música norte-americana receberam influências da obra.
Em pouco mais de 35 minutos de duração, Tragic Songs Of Life oferece belas melodias executadas em duetos de tenor alto e barítono que se sustentam com leveza sobre harmonias simples, mas bem construídas no violão folk de Charlie e no bandolim de Ira. O álbum é feito de canções regionalistas que enaltecem a terra e expressam a saudade de quem partiu.
Mas Tragic Songs Of Life também fala de violência e morte. E como: na faixa “Knoxville Girl”, por exemplo, os Louvin cantam, com a paz de quem entoa um cântico espiritual, os versos “We went to take an evening walk about a mile from town/I picked a stick up off the ground and knocked that fair girl down”. O relato segue atroz e perturbador, confira, é impressionante:
Aliás, Charlie, o caçula, costumava dizer que as pessoas que os viram num palco ficaram impressionadas com a experiência. Talvez, estivesse se referindo apenas à musicalidade. Ira tinha voz com características de tenor alto, enquanto Charlie cantava em tom barítono. E, às vezes, no meio de uma música, invertiam as vozes, o que dificultava a percepção sobre quem conduzia e quem acompanhava, mesmo ao ouvinte mais atencioso.
A faixa “Let Her Go God Bless Her” tem uma levada meio boogie/blues shuffle. Na introdução, o bandolim de Ira, que canta alegre sobre o cotidiano dos seus relacionamentos, e, até certo ponto, exala ingenuidade: “I went to church last Sunday/I saw my old love there/And I knew her mind was a’changin’/From the way that she done up her hair”. No entanto, o lado auto-destrutivo logo aparece e põe um pouco de caos na receita. Acompanhe os versos finais: “Sometimes I live in the country/Sometimes I live up town/But sometimes I take a great notion/To jump in the river and drown”.
Bebedeiras, brigas, separações, polêmicas. Essas palavras, graças a Ira, foram frequentes na carreira do The Louvin Brothers.
Charlie e Ira Louvin cresceram trabalhando em uma pequena fazenda de algodão, nos duríssimos anos do pós-depressão, na região de Sand Mountain, no Alabama. Havia ambiente musical na família: o pai tocava banjo e violino (e também era violento, espancava a mãe dos garotos frequentemente), e a mãe cantava. E foi a mãe, Georgianne, quem lhes ensinou canções do hinário cristão, muito usado pelos seguidores da doutrina batista, e a influência das harmonias dos hinos é evidente nas músicas.
Ira era intempestivo, e, de acordo com Charlie, talentoso para arruinar relacionamentos. Dissera algo rude e racista, bêbedo, numa ocasião na qual estava presente o fã confesso Elvis Presley. Como resultado, o Rei do Rock garantiu que nunca regravaria ou tocaria qualquer canção da dupla. Essa declaração infeliz de Ira teria custado caro: Charlie contou na biografia Satan is real: the ballad of The Louvin Brothers, que algo em torno de três milhões de dólares deixaram de entrar na conta dos irmãos por conta do episódio.
Talvez o irmão mais velho tenha se abalado muito com a violência doméstica, na infância. Pode ser. Mas é fato que algo muito perturbador reveste Tragic Songs of Life, e isso acompanharia o dueto até o fim da parceria, em 1963. O disco é simbólico quanto à representação de um estereótipo comum na sociedade americana, e de toda controvérsia que o envolve.
Ira costumava dizer que aceitar a graça de Deus era uma ação que conduzia automaticamente à aceitação da tentação do demônio como realidade. Certa vez declarou: “A palavra ‘tolerante’ se soletra: ‘p-e-c-a-d-o’”. Ira casou três vezes, levou um tiro de uma destas esposas e morreu em 1965, num acidente de carro, acompanhado da noiva. Charlie se foi em 2011, aos 83 anos.
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