Salve-salve, leitor!
Partindo da hipótese que existe uma assimetria inicial entre a música independente e o grande público, assumo o desafio de contribuir com esta coluna. O objetivo é simples: colaborar na tensa negociação entre o artista e o seu ouvinte, somando esforços com outros canais e articulistas deste segmento. Ciente desta responsabilidade – que se fundamenta na minha percepção e experiência como artista – insiro esta nova atividade na minha rotina, invocando linguagens poéticas e ficcionais a todo texto crítico publicado nesta página. Um pouco de viagem sempre faz bem.
“Caixa Acústica às quintas” será um espaço de livre interpretação para amplificar ideias sobre discos, artistas, livros, negócios, devaneios artísticos, política cultural, shows e o que mais pintar. Ao festejar esta nova parceria, convido você aí do outro lado, a abrir essa Escotilha sonora comigo. Ouvidos atentos, vamos lá!
Dingo Bells: resenha, crítica ou coisa parecida
Todo mundo vai mudar, parece caminhar para um público certo, idealizado por todo artista independente.
Não é novidade que o Rio Grande do Sul, notadamente Porto Alegre, quando consegue emergir na tal cena musical nacional – que às vezes massacra os artistas independentes – vem com tudo. Talvez seja possível interpretar que esta desigualdade na difusão dos trabalhos independentes na ”cena nacional” desempenhe um papel também formativo e não só desagregador no processo criativo de alguns trabalhos.
Construindo carreiras sem atalhos, alguns artistas metem os pés na porta do sistema, como quem diz chega mais pra lá que esta brecha aqui é minha e tomam para si a difícil tarefa de viver de música nesta era em que artistas são marginalizados. É assim, no meio de um complexo momento político e de uma profunda transformação sobre o comunicar da música nos dias de hoje, que o grupo gaúcho Dingo Bells lança o segundo álbum da carreira, oferecendo uma alternativa para o caos. Um “relax, relax, relax” sem se isolar totalmente deste contexto Brasil.
Despertando atenção dos colunistas antenados – inclusive o parceiro Renan Guerra [leia a matéria aqui] -, Dingo Bells vem com mais maturidade neste CD. O álbum Todo mundo vai mudar, com 10 músicas “fresquinhas”, criadas durante o processo de gravação, parece caminhar para um público certo, idealizado por todo artista independente. Um público capaz de compreender e interpretar o sentido das canções como os próprios autores. Vale aqui meu alerta: “se tu fores” ao show dos Dingos Bells, prepare-se para ver um grupo muito ensaiado e um público cantando do começo ao fim. Um show que dá gosto de ver.
O trio formado por Rodrigo Fischmann (vocal e bateria), Diogo Brochmann (guitarra e vocal) e Felipe Kautz (baixo e vocal) apresenta um álbum cheio de buena onda amparado na segurança do pop, ao mesmo tempo que se afasta de alguns padrões convencionais do gênero, inserindo um piano moderno aqui uma harmonia mais elaborada acolá. Neste sentido, se faz mais presente a colaboração do músico Fabrício Gambogi (guitarra, violão e voz), músico de apoio e quarto elemento do trio. Um contemporâneo infiltrado no pop.
Deste álbum de pop progressivo, destaco a faixa 2, ponto fora da curva do CD. A canção “Ser incapaz de ouvir” segue caminhos sonoros mais experimentais, cuja relação letra e música forma uma trama indissociável, sustentada por uma linha de baixo obsessiva – fio condutor de toda a canção.
“Ser incapaz de ouvir” traz a estranheza necessária num álbum que aposta numa comunicação mais direta com o ouvinte, sintetizando os ruídos urbanos num pop-sincero. Podemos considerar a faixa 2 uma canção-ponte, que aproxima o grupo a outras vertentes da música, não necessariamente vindas do pop ou rock. Além disso, cá entre nós, muito será dito e entoado sobre as outras nove canções do CD. São músicas compostas, gravadas, editadas, mixadas, masterizadas e distribuídas para uma recepção bem-sucedida. Vai pegar pelo groove, pela vibe, pela letra e pelo balanço. É ciência.
Todo mundo vai mudar, como o próprio nome diz, é costurado pela temática de transformação de um indivíduo, sociedade e dos sentimentos humanos. São colocadas em cheque convicções românticas, rupturas necessárias na busca pela liberdade proposta pelo grupo. Algumas canções chegam a carregar como plano de fundo uma certa tristeza e dor – imagem inversa quando falamos no trio.
Dingo Bells é um grupo inteligente no gerenciamento de sua carreira, na construção da sua discografia e na relação artista-fã. Sem polemizar, o grupo vai até seu público sem medir esforços e a recompensa vem com o mesmo entusiasmo. Estratégico e explorando todas as possibilidades de divulgação da sua arte, o trio lança junto com o CD: videoclipe e uma plataforma online interativa onde é possível se divertir com a mixagem do CD.
Minha sugestão é aproveitar a ferramenta para ouvir com mais atenção o vocal de Rodrigo Fischmann – que não deixa escapar nenhuma nota ou articulação silábica tanto em disco quanto na performance ao vivo. A precisão de Rodrigo é elevada ao cubo pelos comparsas Felipe Kautz, baixista que sabe se colocar no espaço das canções, e Diogo Brochmann, guitarrista, tecladista e vocalista que dá toda textura e perfume ao trabalho deste consistente trio de quatro integrantes.
Dá-lhe, Dingo Bells! Já decolou.