Assim como seu mentor, Gustav Klimt, o austríaco Egon Schiele teve a carreira prolífica abruptamente encerrada ao ser levado pelo auge da gripe espanhola, há literalmente um século. Sua esposa, grávida de seis meses, foi beijada pela morte primeiro; três dias depois, foi a vez de Schiele.
Aos 28 anos, o artista já dispunha de um currículo brilhante de museus e galerias, além de algumas passagens pela polícia devido à obscenidade de seus quadros. Digamos que eles eram, de fato, um pouco polêmicos para sua época. O estudo do nu artístico, tanto feminino quanto masculino, era um tema recorrente nas obras do pintor, trazendo diversos problemas para sua vida pessoal.
Schiele também não era santo; sua fama de boêmio, conquistador e até mesmo de corruptor de menores de idade segue viva até hoje. Anacronismos à parte (era fato conhecido que usava adolescentes da zona como modelos para suas pinturas), o tom provocativo e libertário do trabalho do artista foi essencial ao Expressionismo austríaco, chocando e ajudando a mudar a sociedade conservadora da época.
É bastante interessante perceber o conceito de família que Schiele desejava passar ao espectador. Aqui, o artista brinca com a formação tradicional de um retrato familiar.
Ironicamente, perto do fim de sua vida, a aceitação em torno de suas obras havia tomado uma guinada, e era crescente. Em 1918, tivera o melhor ano de sua carreira, com a exibição de 50 trabalhos aceitos para o salão principal da 49ª Secessão de Viena, que surtiu efeito econômico estrondoso no valor de suas obras.
A Família
No conjunto da obra de Schiele, é comum o artifício do autorretrato; aproximando o público do pintor, “A Família” (1918) é mais um desses exemplos. Um teor tanto erótico quanto psicológico permeou grande parte de seus quadros, onde é comum a figura do próprio artista nu, que encara o espectador nos olhos. Aqui o vemos repetir o mesmo padrão desafiador e provocativo.
Ainda mais ousado para a época, porém, era o retrato de sua esposa, Edith, igualmente nua junto ao marido. A criança, simbolicamente prole do casal (Toni, sobrinho do austríaco, foi utilizado como referência para a obra), unifica a imagem tradicional de uma família.
O quadro sequer estava completamente finalizado a tempo da morte de Schiele, mas representa bem o estilo que adotava em seus últimos dias. Aqui já usava mais cores – apesar da predominância de tons escuros, que sempre permearam seu trabalho – e não sustentava a obra somente em um único corpo ou elemento. Quando representava a si mesmo ou aos outros, Schiele era cru e direto. Era também adepto do Simbolismo, movimento fundado por seu mentor, Gustav Klimt.
É, portanto, bastante interessante perceber o conceito de família que Schiele desejava passar ao espectador. Ele brinca com a formação tradicional de um retrato familiar; o pai, em sua posição patriarcal e provedora, encara o público de maneira provocativa, enquanto a mãe e a criança olham despretensiosamente para o espaço. Fazem-no, porém, nus, desprovidos de convenções tradicionalistas, mas semelhantes o suficiente aos retratos padronizados de famílias da época para percebermos esse abismo.
Curioso pensar que uma obra tão polêmica à época, hoje voltaria a provocar o mesmo choque. Se estivesse atualmente exposta nos corredores do Santander Cultural, seria instaurada uma CPI da pedofilia para tentar condenar Egon Schiele à vergonha nacional?
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