A banda goiana de rock independente Carne Doce já me trouxe muita força. Como mulher, como alguém que não atende às expectativas dos pais, mas que ainda acha que dá tempo pra fazer tudo certo. É a “vagal bem intencionada”, que acredita que “sempre hão de gostar de mim” (“Açaí” – Carne Doce, 2014).
E é tão bom ver uma mulher à frente das letras (Salma Jô), expressar o que a gente sente, o que a gente quer que seja falado, mas é calado. “Falo” e “Artemísia”, do segundo álbum, Princesa (2016), é muito isso pra mim e acredito que para muitas mulheres que estão lendo esse artigo.
E, agora, no quarto ano da banda, chega Tônus, o terceiro disco. Um álbum que, segundo o guitarrista e compositor Macloys Aquino, é um álbum mais introspectivo, mais maduro e que reflete a postura da Carne Doce de “não jogar com estímulos óbvios e imediatos”.
O disco leva o nome da sétima música do álbum, “uma música que fala sobre o corpo que envelhece, sobre a vida que passa no presente, a perda gradual de tonicidade” e que versa com toda a proposta e sentidos da obra. “Um corpo jovem / Aquele tônus / Aquele brilho / Um corpo pronto pro verão / É ofensivo ao coração”, são os primeiros versos da música, como conta Mac.
A banda lançou em junho duas músicas inéditas do álbum – “Nova Nova” e “Amor Distrai (Durin)” -, que já dão um gostinho do que vai ser o novo trabalho da banda, a ser lançado oficialmente nesta terça-feira (17).
As duas músicas mostram também na construção vocal de Salma um timbre mais grave do que nos outros dois álbuns. Mac explica bem o motivo: “Em Carne Doce (2014), parecíamos mais ansiosos, quase que gritando ‘nos vejam, nos escutem!’, porque éramos estreantes, precisávamos nos fazer conhecidos. Em Princesa, foi a consolidação dessa ‘potência’ e, em >Tônus, estaríamos mais ‘seguros’, mesmo para cantar nossas inseguranças.”
E é tão bom ver uma mulher à frente das letras (Salma Jô), expressar o que a gente sente, o que a gente quer que seja falado, mas é calado.
Confira a íntegra da entrevista exclusiva com Mac sobre o novo álbum:
Escotilha » Como que começou a ser delineado Tônus e como foi seu processo de produção?
Mac » Começamos no final do ano passado como geralmente começamos, com algumas canções feitas por Salma e eu, voz e violão. Diferente dos outros discos, Tônus vem com músicas compostas por todos, feitas em jams na nossa sala de ensaio. O resultado ficou muito bom. Mas o destaque está na produção do João Victor, nosso guitarrista e produtor, que pegou as canções cruas e desenhou roupagem, arranjos, texturas e até ritmos. No início do ano começamos as gravações da pré em casa, com recursos bastante limitados, mas ali já tínhamos a cara das músicas.
Segundo o dicionário Aurélio, “tônus” significa “estado normal de firmeza ou elasticidade de um órgão ou de um tecido”. Mas o que “tônus” significa pra vocês no álbum?
É o nome da sétima faixa do disco, uma música que fala sobre o corpo que envelhece, sobre a vida que passa no presente, a perda gradual de tonicidade. “Um corpo jovem / Aquele tônus / Aquele brilho / Um corpo pronto pro verão / É ofensivo ao coração”, são os primeiros versos da música. Foi difícil escolher o nome do disco, mas acabou que “tônus” e seus sentidos acabaram dialogando com toda obra.
Princesa é um disco ligado ao feminismo. Tônus também tem essa pegada? Parece ser um álbum também ligado à contemporaneidade política no Brasil pelo nome da última música, “Golpista”.
Salma sempre ressalta a não intenção em ter feito um disco militante em Princesa. Mas, inevitavelmente, “Artemísia” e “Falo” foram tragadas pela pauta feminista no Brasil, e isso nos colocou num lugar de ‘banda feminista’, o que nos trouxe visibilidade, mas também crítica. Tônus não é uma antítese disso, mas em algum aspecto reflete nossa experiência, principalmente da Salma, em sermos postos à prova no meio de forças conflitantes. Há músicas, como “Golpista”, que você citou, que refletem esse momento de insegurança política e psicológica que vivemos no Brasil. De qualquer forma, Salma é a letrista e as músicas partem sempre de um ponto de vista feminino.
Esse álbum pelas músicas que foram divulgadas – “Nova Nova” e “Amor Distrai (Durin)” -, mostra a Carne Doce mais madura e também com um som mais introspectivo. O que vocês acham?
Estamos, sim, mais maduros, naturalmente, são quatro anos de banda. A introspecção teria a ver com o que Cleber Facchi, jornalista amigo de São Paulo, que resenhou o disco, disse: um recolhimento com olhar curioso para a própria alma. Um sentimento que também reflete nossa postura de não jogar com estímulos óbvios e imediatos, apesar de que “Amor Distrai” é bem clara em suas intenções, a mais escancarada do disco.
Nessas duas músicas, notei também na construção vocal da Salma um timbre mais grave. Nos outros álbuns o agudo era muito mais presente. Essa mudança está ligada a um novo som que a Carne Doce quer construir?
Teria a ver com isso que falei na resposta anterior, mas também com esse momento do terceiro disco. Em Carne Doce (2014), parecíamos mais ansiosos, quase que gritando “nos vejam, nos escutem!”, porque éramos estreantes, precisávamos nos fazer conhecidos.
Em Princesa, foi a consolidação dessa “potência” e, em Tônus, estaríamos mais “seguros”, mesmo para cantar nossas inseguranças.
Quais faixas são as preferidas de vocês e por quê?
Eu gosto muito de “Irmãs”, segunda faixa do disco. Essa que foi feita a partir de uma jam. Adoro a letra e a melodia, os caminhos improváveis que ela toma. Gosto muito de “Brincadeira”, uma das mais lentas do disco, feita com o Dinho, do Boogarins, pela viagem que ela proporciona, cheia de texturas, e acho que o Braz Torres e o João arrebentaram na mix, tá uma delícia de ouvir. E “Golpista” pela força, pelo peso, pela inteligência das letras e dos arranjos.