A mulher ainda sofre uma grande falta de representatividade na música e, por isso, quando a gente vê bandas compostas apenas por mulheres, dá aquele calor. Calor que o Bolerinho nos presenteia com o lançamento do seu primeiro disco no último dia 20, o Bolerinho.
O grupo é de São Paulo e nasceu na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) há 11 anos. A formação é belíssima: são três mulheres cantoras, compositoras, instrumentistas e arranjadoras. Luísa Toller fica no piano e voz; Marina Beraldo na flauta, baixo e voz; e Maria Beraldo no clarinete, cavaquinho, voz e bateria.
As artistas exploram diferentes texturas musicais e criam arranjos essencialmente vocais e experimentais sobre o cancioneiro popular brasileiro de uma jeito inovador e gostoso aos ouvidos. Elas navegam por influências nacionais, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Clube da Esquina, e se jogam no experimentalismo vocal com referências como Björk, Maria João e Tune-Yards.
O que resulta num disco rico em timbres particulares e com sonoridades distintas, que nascem das diversas combinações dessas vozes femininas. É a união de MPB, eletrônica, rock e experimentalismos com letras que falam sobre o feminino, sexualidade, gênero e relações familiares e amorosas.
O álbum inicia com o single “Necropsia do nosso caso de amor”, que teve seu clipe lançado no ano passado e já deu aquele gostinho do que ia ser o disco. O vídeo mostra outra faceta artística das três musicistas: a performance. Em meio a um chiqueiro em uma fazenda, elas tocam elegantemente seus instrumentos e depois adentram ao luto por aquele amor, que a gente não entende porque acabou. Simplesmente, “morreu dormindo”.
Logo depois vem “Ela”, a música que, ao meu ver, é a mais experimental do disco e revela um lado bem libriano das artistas. É aquela dúvida que paira: “devo ou não ir”. O que criou todo um imaginário em mim e me remeteu a várias situações dessa constante dúvida: do ficar ou ir embora. Só pode ser o meu mercúrio e a vênus em libra fazendo a festa com as minhas relações.
O que é lindo também nesse disco é a representatividade do amor lésbico.
E falando em relações, o que é lindo também nesse disco é a representatividade do amor lésbico. Sempre senti falta de ouvir mais mulheres cantando o seu amor para mulheres na música brasileira e ouvir algo que você possa se sentir representada é muito gostoso.
A música “Amor Verdade”, que também está no recém-lançado disco de Maria Beraldo, o Cavala, é deliciosa. A letra faz referência a “Pai e Mãe”, de Gilberto Gil, e torna o trecho: “Eu passei muito tempo aprendendo a beijar outros homens, como beijo o meu pai, eu passei muito tempo pra saber que a mulher que eu amei, que amo, que amarei, será sempre a mulher, como é minha mãe” em “Pai, gosto muito dos homens, sim, de tê-los ao alcance da boca, sim, mas no calor da manhã quem me fez delirar foi uma mulher, como é minha mãe”.
A canção no álbum do Bolerinho apresenta uma versão mais experimental e no final um coro entre as artistas, que remete ao prazer e a efervescência feminina. Então, aconselho a ouvir a música direto do disco Bolerinho também.
Outra canção que está no disco Cavala e no Bolerinho é “Da menor importância”, que faz referência ao som “Maior importância”, de Caê. Entre beats, ela versa sobre a atração que ultrapassa questões de identidade de gênero: “Enquanto eu não ouço sua voz / eu não sei dizer se é um homem ou uma mulher/ se é uma mulher, mulher tão linda / se o rapaz é doce, doce, doce / mas suas pernas tortas, eu quero para mim”.
Para finalizar, não podia deixar de falar de uma das últimas faixas de Bolerinho, “Bixin”. É a música que traz as raízes do cancioneiro popular e tem a letra certa pra se derreter: “bichin vem me ver / vem me dar um cheirin de jasmim / vem me dar um gostin de alecrim”.
NO RADAR | Bolerinho
Onde: Campinas, SP;
Quando: 2007.
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